Apesar de o agronegócio brasileiro registrar safras recordes, preços elevados das commodities e demanda externa aquecida, o setor enfrenta uma crise silenciosa: o aumento expressivo de pedidos de recuperação judicial. Dados da Serasa indicam que, entre janeiro e setembro de 2024, 287 produtores rurais solicitaram recuperação judicial, o que representa mais que o triplo dos 77 casos registrados no mesmo período de 2023.
Esse paradoxo revela a complexidade do setor, que, embora robusto em produção, é vulnerável a diversas variáveis econômicas e financeiras. Nos últimos anos, muitos grupos do agronegócio brasileiro embarcaram em ciclos de expansão agressivos, aproveitando os altos preços das commodities, a boa demanda e o crédito farto. Essa expansão veio acompanhada de endividamento em dólar, investimentos em infraestrutura própria e aquisição de terras e equipamentos, muitas vezes financiados. Com o tempo, o serviço da dívida ficou pesado, especialmente com o aumento da taxa de juros e a volatilidade cambial, que elevaram o custo das dívidas indexadas.
Além disso, os custos de produção aumentaram drasticamente, com os preços de fertilizantes, defensivos e combustíveis disparando nos últimos anos, em grande parte, devido à guerra na Ucrânia e à inflação global. Como os custos logísticos continuam altos e há significativa pressão sobre o dólar, os insumos importados se tornam mais caros. Ou seja, mesmo vendendo bem, as margens estão mais apertadas, e algumas empresas que operavam com margens justas entraram no vermelho.
Erros de gestão também contribuíram para a crise. Alguns pedidos de recuperação judicial vêm de grupos que, apesar de operarem em um setor aquecido, cometeram erros de gestão, como má alocação de capital, baixa governança corporativa, falta de hedge e expansão mal planejada, sem reservas de caixa para enfrentar imprevistos. Muitos grupos familiares cresceram rapidamente sem a devida profissionalização da gestão e, agora, enfrentam um desequilíbrio financeiro.
Embora o Brasil como um todo esteja colhendo boas safras, há variações regionais relevantes. Algumas áreas enfrentaram problemas climáticos, como seca ou excesso de chuvas, que impactaram a produtividade de produtores médios e grandes. Além disso, questões de armazenagem, gargalos logísticos e dificuldades de escoamento impactam especialmente empresas menos capitalizadas.
Há que se ponderar que as commodities, hoje dolarizadas, ainda não retomaram os valores praticados em 2022. Esse foi o ano em que se constatou boa parte da origem dos endividamentos, notadamente no Rio Grande do Sul e no sul do Mato Grosso do Sul, região que, no último ano, registrou uma pequena queda na produtividade.
Com a economia global mais cautelosa, os ativos agro – como terras e ações de empresas do setor – sofreram desvalorização ou ficaram menos líquidos. Simultaneamente, o crédito ficou mais caro e escasso: bancos estão mais seletivos, juros altos diminuem a capacidade de rolagem de dívidas e algumas linhas de crédito rural estão travadas ou foram reduzidas. Com isso, empresas muito dependentes de financiamento, especialmente via mercado de capitais, ficaram vulneráveis.
O cenário é de bons ventos no campo, mas tempestade nas finanças. Fatores como crescimento acelerado, custos altos, juros elevados, erros de gestão, volatilidade cambial e clima regional adverso contribuíram para a crise.
Para o futuro, espera-se que ocorram reestruturações e fusões, com empresas sendo incorporadas por grupos mais fortes ou fundos de investimento. O setor deve acelerar a profissionalização da gestão, ajustar modelos de negócio com foco na sustentabilidade financeira e atrair capital externo, com fundos estrangeiros aproveitando para comprar ativos desvalorizados.
A crise atual serve como um alerta para a necessidade de uma gestão mais cautelosa e estratégica no agronegócio brasileiro, visando à resiliência e à sustentabilidade a longo prazo.
Autoria de José Rita Moreira
Sócio-diretor de Finanças
BLB Auditores e Consultores