O que é CBIO? Como funciona e como deve ser apresentado nas demonstrações financeiras

O que é CBIO? Como funciona e como deve ser apresentado nas demonstrações financeiras

8 minutos de leitura

Em tempos de intensas mudanças climáticas e crescente pressão global por práticas sustentáveis, o Brasil tem adotado mecanismos inovadores para incentivar a redução das emissões de gases de efeito estufa (GEE). Um desses instrumentos é o Crédito de Descarbonização por Biocombustíveis, conhecido como CBIO.

Esse mecanismo foi instituído no âmbito da Política Nacional de Biocombustíveis (RenovaBio), pela Lei nº 13.576/2017, como parte da estratégia nacional para o cumprimento dos compromissos assumidos no Acordo de Paris, voltados à contenção dos efeitos do aquecimento global.

Relevância estratégica do CBIO

O programa visa ampliar a produção e o uso de biocombustíveis com base na previsibilidade regulatória, assim como na sustentabilidade ambiental, energética e econômica. Cada CBIO representa uma tonelada de carbono equivalente que deixou de ser emitida na atmosfera graças à substituição de combustíveis fósseis por biocombustíveis.

A relevância dos CBIOs não se limita apenas ao aspecto regulatório e ambiental. Esse instrumento vem se consolidando também como um ativo que impacta diretamente as finanças corporativas e, consequentemente, a forma como as empresas brasileiras comunicam seus resultados ao mercado e aos órgãos reguladores.

A contabilização e a correta apresentação do CBIO nas demonstrações financeiras tornam-se fundamentais não apenas para atender às normas contábeis, mas também para transmitir clareza e confiabilidade aos investidores, credores, órgãos fiscalizadores e demais stakeholders. Dessa forma, o CBIO passa a ocupar um espaço de destaque não só como mecanismo de descarbonização, mas também como elemento que influencia decisões financeiras e estratégicas nas organizações.

Como funciona o RenovaBio e a emissão de CBIO

O ponto de partida operacional do RenovaBio é o estabelecimento, pelo Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), de metas anuais compulsórias de descarbonização para os próximos 10 anos. Essas metas são desdobradas individualmente entre os distribuidores de combustíveis, com base em sua participação no mercado de combustíveis fósseis no ano anterior.

O CBIO, portanto, é um ativo ambiental negociável que possui valor tanto econômico quanto regulatório. Além disso, funciona como um instrumento de incentivo à produção sustentável de energia, fomentando a transição para uma matriz energética mais limpa.

Como são originados os CBIOs?

A emissão dos CBIOs tem início com o processo de certificação dos produtores e importadores de biocombustíveis, que devem demonstrar a intensidade de carbono (IC) de suas operações, segundo critérios da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP).

Essa certificação é realizada por empresas inspetoras credenciadas, que auditam a operação produtiva. Uma vez certificada, cada venda de biocombustível (como o etanol hidratado) gera CBIOs proporcionais à redução de emissões quando comparado ao combustível fóssil de referência (como a gasolina). Assim, o uso de biocombustíveis mais limpos contribui para a descarbonização da atmosfera, gerando créditos para as empresas produtoras.

Quem consome CBIOs?

O mercado de CBIOs opera de acordo com a lógica de oferta e demanda regulada. Os principais compradores obrigatórios são os distribuidores de combustíveis fósseis, que têm metas individuais de aquisição definidas anualmente pelo governo federal. Para comprovar o cumprimento de suas metas, essas distribuidoras devem adquirir e aposentar os CBIOs no prazo estabelecido pela ANP, sob pena de sanções.

Além dos obrigados legais, qualquer pessoa física ou jurídica, residente ou não no Brasil, pode adquirir CBIOs com fins de investimento. Assim, o mercado também atrai investidores interessados em ativos sustentáveis, mesmo que não estejam sujeitos às metas regulatórias.

Onde e como são negociados?

Desde junho de 2020, os CBIOs passaram a ser negociados exclusivamente na B3 a bolsa de valores brasileira —, por meio de pregão eletrônico, em que é vedada a negociação direta entre produtores e compradores. Os preços variam conforme a oferta e demanda, metas de descarbonização, políticas públicas e outros fatores econômicos.

Tratamento contábil do CBIO

Para empresas originadoras (produtores/importadores)

As empresas certificadas que geram CBIOs são denominadas originadoras. De acordo com os artigos 3º e 4º da Resolução ANP nº 802/2019, a outorga do CBIO ocorre somente após a escrituração das notas fiscais eletrônicas (NF-e) na Plataforma CBIO.

O CBIO é um ativo não financeiro, incorpóreo, sem substância física, mantido para venda no curso normal dos negócios. Por isso, deve ser contabilizado como estoque nos termos do CPC 16 – Estoques, com respaldo do item 3(a) do CPC 04 – Ativo Intangível.

Os custos diretamente associados à geração do CBIO devem ser incorporados ao custo do ativo, conforme item 10 do CPC 16. Dessa maneira, o reconhecimento do ativo deve ter como contrapartida uma subvenção governamental, conforme item 3 do CPC 07:

“A subvenção governamental pode estar representada por ativo não monetário (…). Tanto esse ativo quanto a subvenção devem ser reconhecidos pelo valor justo.”

Além disso, segundo o item 20 do CPC 07:

“Uma subvenção governamental (…) deve ser reconhecida como receita no período em que se tornar recebível.”

Exemplo de contabilização na originadora:

  1. Custos relacionados à geração dos CBIOs

D – CBIOs a comercializar (ativo circulante – estoques)

C – Contas a pagar (passivo circulante)

  1. Avaliação a valor justo

Se positivo:

D – Ajuste a valor justo – CBIO (ativo circulante – estoques)

C – Variação do valor justo (resultado)

Se negativo:

D – Variação do valor justo (resultado)

C – Ajuste a valor justo – CBIO (ativo circulante – estoques)

  1. Venda dos CBIOs

D – Contas a receber – CBIO (ativo circulante)

C – Receita com vendas de CBIO (resultado)

D – Custo da venda – CBIO (resultado)

C – CBIOs a comercializar (ativo circulante – estoques)

Para empresas obrigadas à aquisição (distribuidoras de combustíveis)

  1. Aquisição de CBIOs para cumprimento de metas

D – Estoques ou outros ativos (ativo circulante)

C – Fornecedores (passivo circulante)

  1. Aposentadoria dos CBIOs – cumprimento da meta

D – Despesas operacionais – CBIO

C – Estoques ou outros ativos

Importante: diferentemente das originadoras, as distribuidoras não devem mensurar CBIOs a valor justo, já que o objetivo da aquisição não é a comercialização, e sim o cumprimento regulatório.

Apresentação nas demonstrações financeiras

Além do registro contábil, a apresentação do CBIO nas demonstrações financeiras é essencial para garantir transparência e comparabilidade. Alguns pontos de atenção:

Balanço patrimonial:

  • Para as empresas originadoras, os CBIOs devem ser evidenciados em estoques dentro do ativo circulante, até sua realização pela venda.
  • Para distribuidoras, os créditos adquiridos para cumprimento de metas devem ser registrados em outros ativos circulantes, sendo baixados no momento da aposentadoria.
  • Para investidores, devem ser classificados em ativos financeiros, mensurados a valor justo.

Demonstração do resultado do exercício (DRE):

  • As receitas com venda de CBIOs devem ser evidenciadas como receita operacional, em linha com a atividade fim das originadoras.
  • As variações de valor justo e as receitas/despesas decorrentes de negociações de investidores devem ser refletidas em resultado financeiro ou em conta de receita/despesa específica.
  • Para distribuidoras, a baixa dos créditos aposentados deve ser registrada em despesas operacionais regulatórias.

Notas explicativas:

  • Devem detalhar a natureza dos CBIOs, os critérios de mensuração adotados, as premissas utilizadas para o valor justo, e os efeitos no resultado e no patrimônio líquido.
  • Também é recomendável a divulgação de riscos de mercado e de precificação, dado que os preços dos CBIOs variam conforme a oferta, a demanda e as políticas públicas.

Essa apresentação clara e estruturada confere mais credibilidade às demonstrações contábeis, ao mesmo tempo em que permite que stakeholders compreendam a relevância do CBIO para a performance econômico-financeira da entidade.

Para investidores não obrigados

Os CBIOs são tratados como instrumentos financeiros mensurados a valor justo, com variações reconhecidas no resultado, dada a existência de um mercado ativo para negociação.

Aspectos fiscais

  • Para produtores: as receitas obtidas com a venda de CBIOs são consideradas operacionais e tributadas conforme o regime tributário da empresa (lucro real ou presumido, por exemplo).
  • Para distribuidores: os custos com aquisição de CBIOs são dedutíveis, desde que devidamente comprovados e relacionados à atividade regulatória.
  • Para investidores: as variações de valor devem ser consideradas para fins de apuração de IRPJ/CSLL ou imposto de renda pessoa física, conforme o caso.

Conclusão

O CBIO representa um marco na interseção entre política ambiental e regulação econômica, promovendo a valorização de práticas sustentáveis e incentivando a modernização da matriz energética brasileira. Sua criação é um passo relevante no cumprimento das metas climáticas internacionais e no fortalecimento do mercado de biocombustíveis.

Do ponto de vista contábil e de divulgação, a correta mensuração e apresentação dos CBIOs asseguram não apenas a conformidade com os CPCs, mas também a transparência necessária para demonstrar como as organizações estão se posicionando diante das exigências ambientais e regulatórias.

Em um ambiente empresarial cada vez mais atento às práticas de ESG (ambientais, sociais e de governança), a forma como o CBIO é refletido nas demonstrações financeiras pode influenciar a percepção do mercado, atrair investimentos e consolidar a reputação da companhia como agente comprometido com a sustentabilidade.

O Grupo BLB possui experiência nos assuntos que envolvem ESG, contamos com uma equipe especializada e experiente nos assuntos apresentados nesse artigo. Teremos o prazer em atendê-los e assessorá-los nessa jornada. Conheça nossos serviços!

Robson Santesso Pires
Sócio-diretor de Auditoria Independente
BLB Auditores e Consultores

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *


Ao informar meus dados, eu concordo com o Aviso de Privacidade.