Confira panorama sobre os impostos sobre consumo hoje e como a CBS influenciará a escolha entre lucro real ou presumido após a Reforma Tributária.
No atual cenário tributário, empresas com receita bruta anual superior a R$ 4.800.000,00 e inferior a R$ 78.000.000,00 enfrentam, a cada início de exercício, um momento decisivo, que exige planejamento estratégico e reflexão. Nessa etapa, se torna imprescindível a apresentação de cálculos, projeções e análises, com o objetivo de definir, de forma assertiva, qual regime tributário é mais vantajoso: lucro real ou presumido.
Embora ambos os regimes sejam destinados à apuração dos tributos incidentes sobre a renda — o Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) e a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) —, a escolha não deve se restringir apenas a esses tributos.
Como veremos, a Reforma Tributária sobre o consumo, materializada pela Lei Complementar nº 214, de 2025, tem papel importante na adequação de procedimentos intrínsecos ao cenário atual: a necessidade de considerar o impacto dos tributos indiretos (PIS e Cofins) como fator determinante na definição do regime de tributação globalmente mais adequado.
Breve exposição sobre os regimes tributários hoje
Lucro presumido
As empresas que adotam o regime do lucro presumido apuram o IRPJ e a CSLL com base em percentuais pré-estabelecidos pela legislação, em vez de utilizar o lucro contábil efetivamente apurado. Esses percentuais variam conforme o tipo de receita, partindo do pressuposto de que cada atividade econômica possui uma margem de lucro presumida, sobre a qual incidem os tributos.
A título de exemplo, a comercialização de mercadorias (salvo exceções previstas em lei) possui uma presunção de lucro de 8% sobre a receita bruta, enquanto a prestação de serviços (também com exceções) adota o percentual de 32%. Levando isso em consideração, é fundamental destacar que esses percentuais são aplicados exclusivamente sobre a receita bruta, ou seja, sobre as receitas operacionais decorrentes da atividade-fim da empresa. Receitas não operacionais, como as receitas financeiras auferidas por uma empresa comercial, estão sujeitas à tributação integral pelo IRPJ e pela CSLL, sem aplicação da presunção.
Adicionalmente, o regime do lucro presumido prevê a apuração obrigatória em períodos trimestrais, o que pode limitar estratégias de postergação ou compensação de prejuízos, como ocorre no lucro real.
Lucro real
As empresas tributadas pelo lucro real, por sua vez, apuram o IRPJ e a CSLL com base no lucro efetivamente apurado, ou seja, no resultado contábil ajustado pelas adições e exclusões previstas na legislação fiscal, sem aplicação de percentuais presumidos.
Uma das principais características desse regime é a possibilidade de, em caso de prejuízo fiscal, a empresa suspender ou até mesmo deixar de recolher os referidos tributos, em conformidade com as normas vigentes. Isso confere ao lucro real uma maior sensibilidade à realidade econômica da empresa, especialmente em períodos de baixa lucratividade ou retração de mercado.
Essa flexibilidade permite alinhar a estratégia tributária ao fluxo de caixa e à sazonalidade do negócio, podendo representar uma vantagem relevante em determinados contextos operacionais.
Os reflexos das contribuições PIS e Cofins
O processo de escolha entre lucro real ou lucro presumido, por si só, já é uma decisão complexa, que demanda uma análise criteriosa do desempenho passado da empresa, das projeções futuras e dos impactos no fluxo de caixa.
Trata-se de um planejamento estratégico que visa minimizar o desembolso tributário de forma lícita. No entanto, essa análise ganha um agravante que pode resultar em prejuízos pecuniários significativos: a forma de apuração das contribuições ao PIS e à Cofins, que varia conforme o regime escolhido.
No regime do lucro presumido, a apuração das contribuições ocorre de acordo com a sistemática cumulativa, cuja base de cálculo é o faturamento — geralmente equivalente à receita bruta da empresa. Nesse modelo, as únicas hipóteses de dedução da base são o ICMS incidente na venda e as devoluções de períodos anteriores. Além disso, o regime não permite a apropriação de créditos sobre os insumos ou as despesas, o que limita significativamente qualquer compensação tributária.
Por outro lado, no regime do lucro real, a apuração do PIS e da Cofins segue a sistemática não cumulativa, cujo fato gerador é o auferimento de receita, independentemente de sua classificação contábil — ou seja, não se restringe apenas à receita bruta. Nesse modelo, embora as alíquotas sejam significativamente mais elevadas (9,25% no total), o contribuinte tem o direito de descontar créditos sobre diversos tipos de dispêndios, tais como insumos, aluguéis, energia elétrica, entre outros. Em teoria, essa possibilidade de crédito deveria neutralizar o impacto das alíquotas maiores, resultando em uma carga semelhante à do regime cumulativo; mas, na prática, essa neutralidade raramente se concretiza.
Essas diferenças estruturais entre os regimes — tanto em termos de fato gerador quanto em relação à possibilidade de creditamento — criam distorções significativas na análise de viabilidade entre o lucro real e o lucro presumido. O que, teoricamente, deveria ser uma decisão relativamente “simples”, por ser baseada na comparação entre o lucro efetivo e os percentuais presumidos, torna-se uma equação mais complexa, exigindo a consideração conjunta do impacto tributário de IRPJ, CSLL, PIS e Cofins.
Para ilustrar de forma prática, vejamos um cenário em que uma empresa atua exclusivamente com a comercialização de mercadorias. Nesse caso, o percentual de resultado real da empresa supera os percentuais de presunção utilizados no lucro presumido, o que, à primeira vista, sugeriria maior viabilidade na adoção desse regime, devido ao menor desembolso pecuniário. No entanto, ao incorporar à análise os impactos das contribuições ao PIS e à Cofins — especialmente em função da possibilidade de creditamento no lucro real — verifica-se que, mesmo com maior recolhimento de IRPJ e CSLL, o menor custo com PIS e Cofins torna o lucro real mais vantajoso no cenário consolidado.
Lucro real ou presumido? Exemplificação por meio de cálculos

Os dados apresentados acima traduzem de forma clara e objetiva os efeitos práticos da escolha entre os regimes de lucro presumido e lucro real, considerando o impacto agregado de IRPJ, CSLL, PIS e Cofins. Embora seja comum a percepção de que o lucro presumido oferece simplicidade e, muitas vezes, menor carga tributária, os dados evidenciam o contrário: a escolha equivocada pode representar um custo tributário significativamente maior ao longo do exercício.
Assim, no exemplo analisado, o lucro presumido gera uma carga tributária total de R$ 955.375, o que representa 6,33% da receita total da empresa. Já no lucro real, mesmo com um recolhimento mais elevado de IRPJ/CSLL (R$ 507.400 contra R$ 490.000 no presumido), a economia proporcionada pelas contribuições de PIS e Cofins no regime não cumulativo (R$ 274.396) é significativa quando comparada aos R$ 465.375 apurados no presumido.
Essa diferença de R$ 190.979 nas contribuições reflete diretamente no resultado final, resultando em uma economia líquida de R$ 173.579 no trimestre. Em termos proporcionais, a carga total do lucro real representa 5,18% da receita, configurando uma diferença de 1,15%, o que se torna ainda mais relevante quando projetado para um exercício fiscal completo.
Além da economia efetiva, o gráfico também revela um ponto crucial: a composição da carga tributária muda substancialmente entre os regimes. No lucro presumido, 49% da carga está concentrada nas contribuições sobre o consumo (PIS e Cofins), enquanto no lucro real esse percentual cai para 35%, tornando a tributação mais equilibrada e condizente à real lucratividade da empresa.
Portanto, mais do que uma decisão baseada na margem presumida, a escolha do regime tributário deve ser guiada por simulações que incorporem todos os tributos relevantes, inclusive os indiretos. Esse caso concreto ilustra como uma análise criteriosa, considerando o perfil de despesa e a estrutura de custos da empresa, pode resultar em ganhos financeiros expressivos e melhor alocação de recursos.
Cenário com a Reforma Tributária e a chegada da CBS
O atual cenário marcado por distorções e complexidade na apuração tributária tende a ser superado quando a Reforma Tributária sobre o consumo, instituída por meio da Lei Complementar nº 214/2025, entrar em vigor.
A referida norma estabelece a substituição dos tributos PIS e Cofins pela Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), bem como a unificação do ICMS e do ISS em um novo tributo denominado Imposto sobre Bens e Serviços (IBS). Além disso, é prevista a criação do Imposto Seletivo (IS), com aplicação restrita a produtos e serviços considerados prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente, com caráter extrafiscal e função inibitória de consumo.
É importante destacar que a implementação da reforma será gradativa. No entanto, a CBS — objeto central desta análise — terá sua aplicação plena a partir do exercício de 2027, quando sua incidência passará a alcançar a totalidade das operações sujeitas às contribuições hoje vigentes.
Mudanças trazidas pela CBS
A CBS adotará a sistemática da não cumulatividade plena, sem distinção baseada no regime de apuração do IRPJ e da CSLL. Ou seja, todos os contribuintes que estejam no lucro presumido ou no lucro real poderão apropriar créditos da CBS da mesma forma, eliminando, assim, a interferência desses tributos sobre a decisão quanto ao regime de tributação do lucro.
Com base nos exemplos e nas análises aqui apresentados, torna-se evidente que, no cenário atual, uma empresa com elevado nível de despesas passíveis de crédito optaria pelo lucro real, ainda que o percentual de lucro apurado superasse as presunções do lucro presumido. Isso ocorre porque os dispêndios com PIS e Cofins no regime cumulativo, quando somados aos demais tributos, inviabilizariam financeiramente a opção pelo regime presumido.
No entanto, com a Reforma Tributária plenamente implementada, essa lógica se altera: como o impacto das contribuições sobre a receita será neutralizado pela aplicação uniforme da CBS, a decisão sobre o regime tributário mais vantajoso voltará a considerar exclusivamente os tributos incidentes sobre o lucro, ou seja, o IRPJ e a CSLL. Nesse novo cenário, empresas que apresentarem margens de lucro efetivo superiores às presunções legais poderão optar, com segurança, pelo lucro presumido, por oferecer uma carga tributária global mais leve.
Vale enfatizar que, embora a reforma trate especificamente dos tributos sobre o consumo — tradicionalmente classificados como tributos indiretos —, seus efeitos transcendem esse escopo, influenciando diretamente a forma de cálculo e a viabilidade econômica dos tributos diretos, como evidenciado neste artigo. Portanto, a partir de 2027, a análise de enquadramento tributário deverá ser repensada, já que a escolha do regime deverá se pautar exclusivamente nos impactos relativos ao IRPJ e à CSLL, resgatando a lógica original do sistema tributário e corrigindo distorções históricas que oneravam o planejamento fiscal das empresas.
Embora não seja o foco central desta análise, a adoção da não cumulatividade plena da CBS, instituída pela Lei Complementar nº 214/2025, merece destaque especial por seus potenciais reflexos na dinâmica operacional e no fluxo de caixa das empresas.
Atualmente, a apropriação de créditos de PIS e Cofins é restrita aos contribuintes optantes pelo lucro real, e, mesmo dentro deste grupo, a legislação impõe limitações relevantes, especialmente para empresas comerciais. Em regra, o creditamento é mais amplo e efetivo para empresas industriais e prestadoras de serviços, devido à natureza de seus insumos e dispêndios operacionais. As empresas comerciais, por sua vez, enfrentam restrições consideráveis, o que limita o alcance da sistemática não cumulativa em sua plenitude.
Com a implementação da CBS em regime de não cumulatividade plena, todos os contribuintes, independentemente do regime de apuração do lucro ou do setor econômico em que atuam, terão direito a apropriar créditos sobre uma base homogênea de dispêndios, conforme definido em lei. Trata-se de uma mudança estrutural, que corrige distorções e democratiza o acesso ao benefício do creditamento fiscal.
Como exemplo prático dessa transformação, destaca-se a possibilidade de apropriação de crédito sobre aquisições de bens do ativo imobilizado, o que, no modelo atual, é permitido apenas para empresas do lucro real — e, ainda assim, de forma restrita quando se trata de empresas comerciais. A partir de 2027, com a vigência plena da CBS, qualquer empresa poderá se beneficiar desse crédito, o que abrirá espaço para estratégias inteligentes de planejamento tributário e financeiro.
Nesse contexto, surge, inclusive, a oportunidade de antecipação de investimentos: as empresas poderão planejar a substituição ou a aquisição de ativos imobilizados no início de 2027, com o objetivo de otimizar o aproveitamento de créditos e suavizar o impacto no caixa operacional.
Outro ponto de atenção está na forma de apuração e aproveitamento dos créditos da CBS. Até que o sistema de split payment esteja plenamente implementado, os créditos serão apropriados com base no valor integral, destacado no documento fiscal emitido pelo fornecedor. Isso significa que, nesse intervalo, haverá maior previsibilidade e agilidade no aproveitamento dos créditos, potencializando o efeito financeiro da não cumulatividade.
Diante das transformações estruturais promovidas pela reforma tributária e dos impactos que ela trará à rotina fiscal das empresas, é fundamental contar com uma assessoria técnica capacitada para orientar decisões estratégicas com base em dados concretos e planejamento eficiente. A equipe de especialistas tributários do Grupo BLB está à disposição para apoiar sua empresa na análise dos impactos da reforma tributária, bem como na estruturação de cenários futuros que permitam atravessar a transição com segurança, eficiência e vantagem competitiva. Estamos preparados para transformar complexidade em clareza e oportunidades em resultados.
Autoria de Bruno Carvalho e revisão técnica de Paulo Martesi
Consultoria Tributária
BLB Auditores e Consultores