IFRS S1 e S2: fechamento contábil com foco em ESG e divulgação de informações não financeiras

IFRS S1 e S2: fechamento contábil com foco em ESG e divulgação de informações não financeiras

10 minutos de leitura

O cenário corporativo contemporâneo está passando por uma transformação significativa. A tradicional prática de encerramento contábil, até então focada em informações financeiras, passa a incorporar uma nova dimensão: os aspectos ambientais, sociais e de governança — conhecidos como critérios ESG (Environmental, Social and Governance). Essa mudança é impulsionada por pressões regulatórias, expectativas de stakeholders e novas normas internacionais, como as IFRS S1 e S2, que entram em vigor a partir de 2026.

Diante desse cenário, este artigo visa discutir como o fechamento contábil está se adaptando à necessidade de divulgar informações não financeiras relevantes. Além disso, também abordaremos o papel das normas atuais e futuras na consolidação de um modelo mais transparente, sustentável e orientado para o longo prazo.

A evolução do fechamento contábil

Historicamente, o fechamento contábil é o processo em que as empresas consolidam suas demonstrações financeiras ao final de um período, com o objetivo de relatar com precisão seus resultados econômicos. Essa atividade envolve etapas fundamentais como o reconhecimento de receitas e despesas, a constituição de provisões, ajustes de estimativas, reclassificações contábeis e, por fim, a elaboração das demonstrações financeiras que refletem a situação patrimonial e financeira da entidade.

Contudo, nos últimos anos, esse processo passou por uma transformação significativa. Com o avanço das demandas por responsabilidade socioambiental e a crescente relevância dos fatores ESG (ambientais, sociais e de governança), o fechamento contábil deixou de ser apenas uma prática técnica de apuração de saldos. Ele passou a exigir a integração entre os dados financeiros e não financeiros, de forma que as demonstrações reflitam não apenas o desempenho econômico, mas também o impacto e a sustentabilidade das operações da empresa.

Nesse contexto, relatórios baseados nas diretrizes do GRI (Global Reporting Initiative) vêm ganhando espaço nas organizações. O GRI é um dos padrões mais utilizados globalmente para a divulgação de informações não financeiras, como emissões de carbono, consumo de recursos naturais, diversidade no ambiente de trabalho, práticas anticorrupção, entre outros temas materiais. A produção desses relatórios — que muitas vezes ocorre paralelamente ou até integrada ao processo de fechamento contábil — fortalece a transparência e proporciona uma visão mais ampla e confiável da atuação da empresa.

Por meio dessas práticas, a contabilidade evolui para além da mensuração de ativos e passivos: ela passa a ser uma peça-chave no processo de conexão entre indicadores ESG, relatórios de sustentabilidade (como o GRI) e as demonstrações contábeis. Essa mudança amplia a responsabilidade do profissional de contabilidade e das lideranças financeiras, que precisam garantir que todas essas informações estejam alinhadas, fundamentadas e devidamente auditáveis.

A demanda por transparência ESG

A pressão por transparência em temas como mudanças climáticas, diversidade e inclusão, práticas de governança e direitos humanos levou empresas e órgãos reguladores a repensarem a forma como as informações corporativas são divulgadas. A partir disso, os conceitos de relato integrado e relatórios de sustentabilidade ganharam relevância, e, gradualmente, vêm sendo agregados aos fechamentos contábeis das grandes corporações.

Inclusive, empresas listadas, instituições financeiras e grandes organizações multinacionais já enfrentam obrigações de reporte ESG em vários países. A União Europeia, por exemplo, adotou a Corporate Sustainability Reporting Directive (CSRD), que impõe novos critérios para a divulgação de informações de sustentabilidade a partir de 2024, com transição plena até 2026. O Brasil, seguindo o mesmo caminho, começa a alinhar suas exigências à agenda ESG internacional, por meio de ações da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e da adoção gradual de normas da ISSB.

Normas internacionais relevantes: IFRS S1 e IFRS S2

Em 2022, a Fundação IFRS criou o International Sustainability Standards Board (ISSB), responsável por desenvolver normas globais para relato de sustentabilidade. Em 2023, foram publicadas duas normas fundamentais:

  • IFRS S1 – Requisitos Gerais para Divulgação de Informações Financeiras Relacionadas à Sustentabilidade
  • IFRS S2 – Divulgação de Informações Relacionadas ao Clima

Adoção no Brasil e posicionamento da CVM

A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) tem desempenhado um papel central no alinhamento do Brasil às práticas internacionais de reporte ESG, ao promover a ampliação e implementação das políticas de sustentabilidade e governança nas empresas brasileiras.

Por meio da Resolução CVM nº 193, publicada em 20 de outubro de 2023, foram reconhecidas oficialmente as normas IFRS S1 e S2, emitidas pelo ISSB, como parte do conjunto de normas contábeis e de sustentabilidade a serem observadas no país.

A partir de 1º de janeiro de 2026, a divulgação dos relatórios de sustentabilidade com base nos padrões IFRS S1 e S2 passará a ser obrigatória para companhias abertas, conforme previsto na própria Resolução CVM nº 193.

Para facilitar essa transição, a Resolução CVM nº 227, publicada em 31 de março de 2025, estendeu o prazo para a comunicação da adoção voluntária para exercícios sociais iniciados em ou após 1º de janeiro de 2025. Dessa forma, a comunicação pode ser feita até 31 de dezembro de 2025.

Além disso, a Resolução CVM nº 219 detalha os prazos e as condições de entrega dos relatórios:

  • Em períodos de adoção voluntária, a entrega deve ser realizada até o nono mês após o encerramento do exercício social.
  • Quando a adoção for obrigatória, o envio do relatório deve coincidir com o Formulário de Referência. Para os exercícios subsequentes, a entrega deve ser feita até três meses após o encerramento do exercício ou do envio das demonstrações financeiras, o que ocorrer primeiro.

A CVM também tornou obrigatória a adoção dos Pronunciamentos Técnicos CBPS nº 01 e CBPS nº 02, compatíveis com os padrões IFRS S1 e S2, por meio das Resoluções CVM nº 217 e nº 218, emitidas em 2024. Essas normas exigem que os relatórios sustentáveis sigam critérios como relevância, completude, equilíbrio e verificabilidade. Com isso, torna-se necessário realizar controles internos robustos e revisões por auditoria independente, integrando os relatórios de sustentabilidade ao próprio processo de fechamento contábil.

Impactos práticos no fechamento contábil

A integração de informações ESG no fechamento contábil altera substancialmente o escopo das atividades realizadas pelas áreas de contabilidade, sustentabilidade, governança e auditoria. Algumas mudanças práticas incluem:

  1. a) Novos controles e processos

Será necessário criar rotinas para coleta, consolidação e validação de indicadores não financeiros, como:

  • Emissões de gases de efeito estufa (GEE);
  • Consumo de água e energia;
  • Índices de rotatividade e diversidade de pessoal;
  • Casos de corrupção ou falhas em governança.

Esses dados deverão ser apurados com a mesma qualidade e confiabilidade dos dados contábeis tradicionais.

  1. b) Alterações nos sistemas de informação

Os sistemas ERP precisarão ser adaptados para permitir a integração entre módulos contábeis e operacionais, possibilitando o rastreamento de dados ESG em tempo real. Isso exige maior colaboração entre as áreas de TI, finanças e ESG.

  1. c) Qualificação de profissionais

O fechamento contábil com foco em ESG exige que os profissionais de contabilidade conheçam as normas técnicas de sustentabilidade e saibam não apenas interpretar os requisitos do ISSB, mas também aplicar os princípios de governança e risco socioambiental em seus relatórios.

O papel das auditorias e da governança corporativa

Assim como ocorre com as demonstrações financeiras, a revisão independente das informações de ESG passa a ser uma exigência de mercado. Isso significa que a governança corporativa também deve ser revista, com a criação de comitês de sustentabilidade, supervisão do conselho de administração sobre riscos de ESG e elaboração de políticas corporativas que reflitam as diretrizes das novas normas internacionais.

Desafios e oportunidades

Desafios:

  • Dificuldade na padronização e coleta de dados não financeiros;
  • Resistência cultural à mudança de paradigmas contábeis;
  • Custo de adaptação tecnológica e capacitação de equipes.

Oportunidades:

  • Maior transparência e fortalecimento da imagem institucional;
  • Melhoria da gestão de riscos operacionais e reputacionais;
  • Acesso facilitado a linhas de crédito com exigências de ESG;
  • Possibilidade de atrair mais investidores institucionais.

O futuro do fechamento contábil: integração total

Com a entrada em vigor das normas IFRS S1 e S2, espera-se que o fechamento contábil passe a ser integrado, isto é, com informações tanto financeiras quanto não financeiras sendo reportadas de forma unificada, refletindo a real posição econômica, social e ambiental da empresa.

Modelos como o Relato Integrado (IR – Integrated Reporting) devem ser cada vez mais adotados, considerando não apenas o desempenho do exercício, mas também os impactos de longo prazo causados ou sofridos pela empresa.

Normas IFRS S1 e S2 reforçam novo tempo da contabilidade 

Nunca se falou tanto sobre meio ambiente, governança, riscos climáticos e responsabilidade corporativa como nos últimos anos. Com isso, o ESG deixou de ser uma tendência para se tornar uma exigência real do mercado, dos reguladores e da sociedade, impulsionando a necessidade de produzir informações que conectem os aspectos financeiros e não financeiros de forma coerente, precisa e transparente.

As normas IFRS S1 e S2, criadas pelo ISSB, reforçam essa nova etapa da contabilidade ao estabelecer padrões globais que integram sustentabilidade à prestação de contas tradicional. Seu principal objetivo é garantir que os dados reportados tenham base sólida e sejam úteis para os usuários da informação, desde investidores até a sociedade em geral.

Nesse cenário, um ponto de atenção muito importante é o combate ao greenwashing, que nada mais é do que uma “maquiagem verde”: empresas que tentam parecer sustentáveis apenas no discurso, mas que não demonstram ações concretas e reais em suas práticas ou relatórios. A adoção dos novos padrões e a atuação ética da contabilidade ajudam justamente a afastar esse tipo de prática, promovendo transparência, credibilidade e responsabilidade.

O fechamento contábil com foco em ESG passa a ser, portanto, um diferencial estratégico. As empresas que investirem desde já em tecnologia, governança e qualificação das equipes estarão mais bem preparadas para enfrentar os desafios de um mercado cada vez mais exigente. Aqui, a contabilidade assume um novo protagonismo: o de ser um instrumento de conexão entre o que a empresa faz e o que ela comunica, prestando contas não só aos acionistas, mas à sociedade como um todo.

Por fim, considerando todo o contexto, é de se esperar que, em um primeiro momento, essas normas sejam exigidas apenas para as empresas listadas, não atingindo as pequenas e médias. Contudo, embora tais exigências recaiam atualmente apenas sobre as companhias de capital aberto, é preciso ficar atento ao tema. Afinal, como abordado anteriormente neste artigo, as empresas que se anteciparem e divulgarem — mesmo que aos poucos — suas informações sobre sustentabilidade terão um olhar diferenciado por parte de quem recebe e tem acesso a esses dados. Historicamente, sabemos que as normas não ficam restritas apenas às empresas listadas, sendo muito provável que, em um determinado momento, serão exigidas para todas as organizações.

Autoria de Paulo Barcelos e revisão técnica de Lucas Cavalheiro
Auditoria Independente
BLB Auditores e Consultores

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