Saiba como a Lei 15.270/25, derivada do PL 1087/25, vai alterar a cobrança de tributos sobre a renda a partir de 2026.
O cenário fiscal brasileiro tem sido palco de transformações significativas, com propostas de reformas que buscam reestruturar o sistema tributário do país. Após a concretização da reforma sobre o consumo, com a Emenda Constitucional 132/23 e a Lei Complementar 214/24, a atenção se voltou para a reforma sobre a renda e o patrimônio.
Nesse contexto, o Projeto de Lei (PL) 1087/25, apresentado ao Congresso Nacional em 18 de março de 2025, delineou mudanças substanciais na tributação do Imposto sobre a Renda das Pessoas Físicas (IRPF) e de investidores não residentes.
O que era um projeto virou realidade com a publicação da Lei nº 15.270 no último dia 26 de novembro. Essa lei, com aplicação prevista para 1º de janeiro de 2026, introduz a tributação mínima sobre lucros e dividendos pagos ou creditados a sócios e acionistas pessoas físicas, consolidando muitas das especulações e propostas do PL original.
E, apesar de contar com apenas com oito artigos, não se pode negar que o tema é complexo e, portanto, o objetivo deste artigo é analisar de forma aprofundada as principais disposições, explorando as possíveis consequências jurídicas, econômicas e práticas para a classe empresarial, sem deixar em segundo plano seus efeitos práticos, visando facilitar ao máximo a compreensão do leitor.
Principais disposições da Lei 15.270/25 (anteriormente propostas pelo PL 1087/25)
A Lei nº 15.270/25, em sua essência, mantém as diretrizes propostas pelo PL 1087/25, visando à elevação do limite de isenção para contribuintes de baixa renda e à instituição de uma nova alíquota de tributação para aqueles com altas rendas. O governo, ao que parece, mantém o raciocínio de que os mais ricos devem contribuir para a desoneração dos mais pobres.
As principais novidades, agora positivadas pela lei, compreendem:
- Ampliação da faixa de isenção do IRPF: a lei assegura a elevação da faixa de isenção para rendimentos até R$ 5.000/mês. Além disso, ficou estabelecida uma redução gradativa de R$ 0,133145 para cada um real de salários e/ou pró-labore entre R$ 5.000 e R$ 7.350 mensais, sem prejuízo dos demais redutores já previstos na legislação. Essa alteração exigirá que os sistemas de folha de pagamento contemplem esses novos parâmetros para os cálculos a partir de janeiro de 2026.
- Instituição da “Tributação Mensal e Anual das Altas Rendas” (IRPF-M): este ponto é um dos pilares da nova legislação, impactando diretamente os rendimentos de capital. A tributação ocorrerá em dois momentos, conforme a seguir:
- Mensalmente: haverá retenção à alíquota de 10% a título de IR (IRRF), quando do pagamento ou creditamento de lucros/dividendos por uma empresa a seus sócios pessoas físicas – o que não se aplica quando os sócios forem pessoas jurídicas –, em montante superior a R$ 50 mil/mês, sendo proibidas quaisquer deduções da base de cálculo. Em caso de múltiplos pagamentos no mesmo mês, a retenção será recalculada considerando o total.
- Anualmente: durante a entrega da Declaração de Imposto de Renda da Pessoa Física (DIRPF), com primeiro impacto no exercício de 2027 referente ao ano-calendário de 2026, o sistema da Receita Federal verificará se a soma de todos os rendimentos recebidos (sem exceção) é superior a R$ 600 mil/ano. Se for o caso, o contribuinte estará sujeito à incidência do Imposto de Renda das Pessoas Físicas Mínimo (IRPF-M). A alíquota será progressiva e proporcional, atingindo até 10% para rendimentos até R$ 1,2 milhão/ano e 10% para valores acima desse patamar.
- Base de cálculo anual do IRPF-M: para “acionar” o gatilho do IRPF-M, serão considerados todos os tipos de rendimentos recebidos no ano-calendário. Isso inclui não apenas os rendimentos tributáveis, mas também o resultado da atividade rural, os tributados de forma exclusiva ou definitiva e até mesmo os isentos ou sujeitos à alíquota zero ou reduzida. Ou seja, todas as classes de rendimentos representadas nas fichas da declaração de imposto de renda da pessoa física, sendo assegurado o abatimento taxativo e exclusivo de rendimentos específicos, listados nos incisos I a XII do § 1º, Art. 16, da Lei, que incluem:
- Ganhos de capital (exceto operações em bolsa)
- Rendimentos tributados na fonte de anos anteriores
- Doação adiantamento legitima/herança
- Juros de poupança
- Letra hipotecária, LCI, CRI, LIG, LDC, FIIs, Fiagros etc.
- Títulos de valores mobiliários (CDA/WA/CDCA/LCA/CRA)
- CPR financeira
- Parcela do Imposto sobre a Renda Isenta da Atividade Rural
- Indenização por acidente/danos
- Rendimentos de aposentadorias/pensões
- Valores mobiliários isentos/alíquota zero
- Lucros e dividendos deliberados até 2025 e pagos entre 2026 e 2028.
- Dedução dos impostos retidos da fonte: do valor apurado após o cômputo da alíquota da tributação mínima sobre a base de cálculo demonstrada acima, serão deduzidos os valores de Imposto de Renda já pago pela contribuinte pessoa física, tais como: o IRPF apurado na própria declaração de ajuste anual, o IRRF retido sobre os dividendos mensais, IRRF sobre rendimentos de fundos de investimentos e o IRRF considerado definitivo, como por exemplo quando decorrentes de Juros sobre o Capital Próprio (JSCP).
- Mecanismo de redução do valor devido do IRRF-M: do valor apurado do IRPF-M após as deduções acima, a Lei 15.270 prevê que poderá ser aplicado um “redutor” ou crédito que, supostamente, evita a tributação excessiva sobre lucros e dividendos. O princípio é que, se o somatório das alíquotas efetivas de tributação dos lucros da pessoa jurídica com a alíquota efetiva do IRPF-M ultrapassar as alíquotas nominais de IRPJ e CSLL (que podem ser 34%, 40% ou 45%, dependendo do caso), a diferença, será considerada redutor do IRPF-M.
Abaixo, procuro demonstrar como será a regra do cálculo:

A Lei 15.270 também traz que os dados para cálculo poderão ser disponibilizados pela Receita Federal diretamente na Declaração de Ajuste Anual da Pessoa Física (versão pré-preenchida), tendo como base as informações prestadas pelas empresas, por meio da Escrituração Contábil Digital (ECD).
Diante disso, espera-se que a Receita Federal altere a data da entrega da ECD para o mês de maio ou a data da entrega da Declaração de Ajuste Anual, de maio para junho, sendo mais provável a antecipação da ECD.
Outro destaque é que qualquer retificação ou ajuste da contabilidade após a entrega da ECD terá que considerar também os efeitos respectivos para os sócios/acionistas. Esse tema certamente vai gerar muita discussão.
- Desafios para empresas do Lucro Presumido ou Simples Nacional: para empresas optantes pelo Lucro Presumido ou pelo Simples Nacional, cuja carga tributária efetiva é tipicamente inferior, a lei prevê que poderão optar por um cálculo simplificado do lucro contábil. Esse cálculo corresponderá ao valor do faturamento com a dedução de despesas específicas, listadas em ambos os documentos, e agora consolidadas na lei:
- Folha de salários e respectivos encargos legais;
- Preço de aquisição das mercadorias destinadas à venda (atividade comercial);
- Preço de matéria-prima agregada ao produto industrializado e material de embalagem (atividade industrial);
- Aluguéis de imóveis necessários à operação da empresa;
- Juros sobre financiamentos necessários à operação da empresa;
- Depreciação de equipamentos necessários à operação da empresa (atividade industrial).
Apesar de tentar evitar a tributação excessiva, a implementação desse mecanismo de redutor pode gerar grande discussão e complexidade no cálculo e no controle, especialmente na necessidade de rastrear a origem dos dividendos para sua correta aplicação, além da falta de uniformidade no tratamento contábil entre diferentes portes de empresas, como apontado no meu artigo anterior sobre o PL 1087.
- Tributação de lucros e dividendos distribuídos ao exterior: a Lei 15.270/25 estabelece que lucros ou dividendos pagos, creditados, entregues, empregados ou remetidos a pessoas físicas ou jurídicas no exterior — independentemente do valor e da jurisdição do beneficiário — ficam sujeitos à incidência do IRRF à alíquota de 10%.
E aqui cabe um ponto de distinção importante. Esta medida excetua os resultados apurados e deliberados até 31 de dezembro de 2025, porém sem mencionar que precisarão ser pagos nos próximos três anos (de 2026 a 2028), conforme previsto para dividendos pagos no Brasil. Isso sugere uma diferença na regra de prazo para distribuição de lucros passados, dependendo se o beneficiário é residente no país ou no exterior.
Adicionalmente, a Lei 15.270 também menciona que o estrangeiro, caso a soma das alíquotas efetivas da empresa pagadora e do beneficiário que recebeu o dividendo ultrapassar a soma da alíquota normal do IRPJ e CSLL, será concedido — por opção do beneficiário —, um crédito para o beneficiário, que terá 360 dias para solicitação, observado os termos que ainda serão regulamentados.
Essa nova tributação eleva as alíquotas nominais brasileiras sobre lucros de multinacionais, de forma efetiva, somando-se ao efeito do adicional de CSLL de 15% (Pilar 2), instituído pela Lei 15.079/24, aplicável a companhias estrangeiras com faturamento anual global acima de 650 milhões de euros, que já estabeleceu um novo “piso” de 25% desde janeiro de 2025.
Descritos os principais destaques da Lei 15.270, merece especial atenção a deliberação sobre o estoque de lucros existentes, bem como aqueles que serão ainda apurados após o encerramento do ano calendário de 2025.
Gestão de lucros acumulados e desafios práticos
A Lei 15.270/25 traz particularidades importantes sobre a gestão de lucros acumulados até a sua vigência, dispondo que “os Lucros e Dividendos apurados e deliberados até 2025, poderão ser excluídos da base de cálculo do novo imposto, desde que pagos nos anos de 2026, 2027 e 2028, observado os termos previstos no ato de aprovação que deverá ser realizado até 31 de dezembro de 2025”.
Embora a regra pareça clara em uma análise superficial, sua aplicação prática levanta sérios problemas e dúvidas, que destaco a seguir:
- Dificuldade de deliberação até 31 de dezembro de 2025: é impraticável e ideia de apurar o balanço de 2025 em 31 de dezembro e realizar a deliberação no mesmo dia. Essa situação foi, inclusive, criticada pelo Conselho Federal de Contabilidade. Existem especulações sobre uma alteração legislativa que possa permitir que a deliberação ocorra até 30 de abril de 2026, sendo um ponto a ser acompanhado.
- Balanços intermediários: a opção de levantar balanços intermediários, como na data base de 31 de outubro de 2025, de forma que a deliberação ocorra dentro do mês de dezembro de forma compatível com o calendário, é uma alternativa. No entanto, empresas que não possuem essa previsão em seu estatuto ou contrato social precisarão de alteração.
- Conflito com a Lei das S.A.: há um aparente conflito com a Lei das Sociedades Anônimas (Lei 6.404/76), cujo art. 205, § 3º, prevê que os dividendos devem ser pagos em até 60 dias da declaração e, em qualquer caso, dentro do exercício social. Isso gera preocupação não apenas para S.A., mas também para Ltda. que adotam a Lei das S.A. de forma suplementar em seus contratos sociais. Existe o risco de o fisco, futuramente, entender que a norma societária, sendo especial, deve se sobrepor à norma tributária.
- Risco para sócios minoritários: caso a companhia delibere sobre a distribuição de lucros por maioria para aproveitar a regra dos três anos, os sócios/acionistas que ficarem de fora dessa deliberação podem exigir o pagamento de sua participação dentro do próprio ano, não se sujeitando à regra estendida.
- Contratos sociais e dividendos obrigatórios: contratos sociais, estatutos e/ou acordos de sócios/acionistas que preveem o pagamento de dividendos mínimos obrigatórios deverão receber atenção especial. Se houver a pretensão de provisionar valores para os lucros de 2025 deliberados em montante mais que suficiente, poderá ser gerado um conflito com o dividendo obrigatório a ser apurado nos próximos três anos. Um não substitui o outro, a menos que os documentos sociais sejam alterados.
Impacto da Lei nos Investimentos
A aprovação da Lei 15.270/25, que tributa os dividendos, tem sido alvo de críticas e preocupações, especialmente por ocorrer em um contexto de arrecadação recorde por parte do governo. Muitos especialistas e entidades do setor produtivo veem essa medida como um retrocesso.
Personalidades como Margaret Thatcher e Roberto Campos — também citados no artigo sobre o PL 1087 —, alertaram para o risco de desestimular o “espírito empresarial que sustenta a economia” ao penalizar o investidor. Para esses pensadores, tributar dividendos é fundamentalmente uma contradição: pune quem arrisca, investe e multiplica sua riqueza, que poderia gerar prosperidade coletiva.
O argumento governamental de que os mais ricos devem suportar o ônus fiscal para desonerar os mais pobres pode soar, sob essa perspectiva, como um uso distorcido da lógica de justiça social, servindo mais ao populismo de ocasião do que a uma transformação estrutural da sociedade.
Oportunidades de planejamento
Diante do novo cenário tributário, a busca por planejamento estratégico torna-se essencial, com destaque para as sinergia e integração necessárias entre equipes de especialistas – incluindo tributaristas, auditores contábeis e advogados societários – para visualizar soluções capazes de minimizar os efeitos desse novo tributo.
Entre as oportunidades de planejamento, destacam-se:
- Novos arranjos societários: reestruturações que possam otimizar a distribuição de resultados sob a nova legislação.
- Adequação dos atos societários: revisão de estatutos, acordos de sócios e contratos sociais para alinhar com as novas regras e evitar conflitos legais ou fiscais, especialmente em relação à deliberação sobre dividendos mínimo obrigatórios nos próximos três anos e pagamento de lucros acumulados.
- Uso estratégico de outras formas legais de remuneração dos sócios/acionistas: explorar alternativas de remuneração que possam ser mais eficientes sob a nova carga tributária.
- Manutenção eficiente das reservas de lucros: gerenciamento otimizado das reservas, principalmente aquelas decorrentes de incentivos fiscais, como as subvenções para investimentos.
- Estruturação de fundos: utilização de fundos de investimentos como ferramenta de planejamento para a gestão de investimentos e rendimentos, entre outros.
Considerações finais
A Lei 15.270/25, que materializa as propostas do PL 1087/25, representa um esforço do Governo Federal para modernizar o sistema tributário brasileiro e promover o que considera justiça social e fiscal. Contudo, do ponto de vista da iniciativa privada, a medida é vista como mais um desestímulo ao capital privado, tanto nacional quanto internacional.
Além de aumentar a carga tributária em favor do aumento de gastos do Estado, a lei gera insegurança jurídica e maior complexidade para as empresas, especialmente se as suas disposições alcançarem lucros auferidos antes de sua vigência, o que é uma preocupação real.
Não é exagero pensar que, com a introdução da alíquota mínima de Imposto de Renda e a exigência de uma tributação efetiva sobre a renda global, a prática de Distribuição Disfarçada de Lucros (DDL) tende a ser mais utilizada, principalmente em estruturas empresariais familiares, nas quais a distinção entre retirada de lucros e despesas pessoais pode ser mais facilmente empregada, como mencionado no artigo sobre o PL 1087. Essa situação poderá, inclusive, estimular a adoção de atitudes contábeis não condizentes com a realidade, contrariando as boas práticas e um ambiente de negócios mais seguro.
Nesse cenário, certamente a fiscalização deverá ser intensificada, sobretudo diante de estratégias que visem contornar a retenção na fonte ou reduzir artificialmente a base de cálculo do Imposto de Renda Mínimo.
A verdadeira justiça social não pode estar atrelada apenas à redistribuição pontual e eleitoreira, mas, sim, à criação de condições para que o maior número possível de pessoas tenha acesso às oportunidades reais de prosperidade. Quando se tributa excessivamente quem investe, limita-se o potencial de toda a sociedade, tornando a liberdade algo cada vez mais distante.
Espera-se que o Congresso Nacional continue a analisar com profundidade os desdobramentos da Lei 15.270/25 e que as representações empresariais continuem a se posicionar. Na impossibilidade de reverter a aprovação, é fundamental exigir minimamente um aperfeiçoamento técnico e econômico da proposta, evitando o aumento da complexidade do sistema e a insegurança jurídica que tanto afetam o nosso país.
Continuaremos acompanhando esta e outras agendas do Governo Federal que impactam diretamente no ambiente de negócios do país, com o objetivo de informar e apoiar nossos clientes e a comunidade empresarial, indicando, sempre que possível, os caminhos mais inteligentes, seguros e eficientes.
Rodrigo Barbeti
Sócio-fundador e CEO do Grupo BLB e diretor de Consultoria Tributária da BLB Auditores e Consultores


