Em meio à controvérsia que se instaura acerca da correta forma de apropriação de créditos extemporâneos de PIS e Cofins, observa-se uma divergência de entendimento entre os contribuintes e o Fisco Federal.
De um lado, a Receita Federal do Brasil (RFB) sustenta que a utilização de créditos fora do período original de competência exige, como condição, a inclusão do documento fiscal na sua competência originária — com a consequente recondução do crédito, mediante fichas específicas —, até a apuração corrente. De outro, os contribuintes defendem a possibilidade de escrituração extemporânea do documento fiscal diretamente na obrigação acessória do período atual, desde que o direito creditório esteja dentro do prazo decadencial.
Neste artigo, analisaremos criticamente o assunto abordado, levando em consideração aspectos operacionais, jurídicos e econômicos. Serão exploradas diversas jurisprudências sobre o assunto, incluindo a recente Súmula nº 231 aprovada pelo Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), que colocou fim às dúvidas referentes à metodologia a ser aplicada para habilitação do crédito apurado posterior à transmissão original das obrigações acessórias.
Leis 10.637/2002 e 10.833/2003 x Perguntas e Respostas da EFD-Contribuições
Como é de costume, as empresas, ao identificarem alguma oportunidade de crédito não apropriado ou apropriado a menor em períodos anteriores, ficam em dúvida quanto ao procedimento correto nessas situações. Conforme o parágrafo 4º do art. 3º das leis que estabelecem a cobrança do PIS/Pasep e da Cofins — isto é, das Leis nº 10.637/2002 e nº 10.833/2003, respectivamente —, o crédito não aproveitado poderá ser realizado de forma extemporânea, em meses subsequentes ao período originário do crédito.
Art. 3o Do valor apurado na forma do art. 2o a pessoa jurídica poderá descontar créditos calculados em relação a:
(…)
4o O crédito não aproveitado em determinado mês poderá sê-lo nos meses subsequentes.
Ao consultarmos o material Perguntas e Respostas da EFD-Contribuições, disponibilizado no site do Sistema Público de Escrituração Digital (Sped), podemos observar que o item 90 trata exclusivamente do assunto em questão.
Nele, a Receita Federal reforça a possibilidade da habilitação extemporânea do crédito, desde que o contribuinte proceda com a retificação tanto do período relativo às oportunidades identificadas quanto dos períodos subsequentes, apontando, nos registros 1100 (PIS) e 1500 (Cofins), os valores levantados até o período atual, para que, assim, efetue a compensação com débitos vincendos.

Dessa maneira, podemos concluir que a RFB não se opõe, sob o ponto de vista jurídico, à apropriação de créditos extemporâneos, uma vez que um eventual posicionamento nesse sentido afrontaria não apenas os princípios constitucionais, mas também a hierarquia das normas jurídicas, conforme preconiza a clássica Pirâmide de Kelsen.
Hierarquia das normas: Pirâmide de Kelsen
O renomado jurista Hans Kelsen desenvolveu uma teoria conhecida como Hierarquia das Normas Jurídicas, popularmente conhecida como “Pirâmide de Kelsen”, representada na imagem abaixo[1].
Essa teoria considera que, no ordenamento jurídico, as normas estão hierarquizadas em níveis diferentes, de acordo com seu grau de fundamentação e de subordinação em relação às normas superiores. No topo da pirâmide, está a Constituição Federal (CF); abaixo dela, encontram-se as normas fundamentadas na CF, representadas por N2 — como, por exemplo, leis, decretos legislativos, medidas provisórias etc. —; e, na base da pirâmide, situam-se as normas denominadas N3 — como as instruções normativas, portarias, orientações etc. —, que têm fundamento nas N2.

Levando em consideração a Hierarquia das Normas Jurídicas, podemos observar que as Leis 10.637/2002 e 10.833/2003 estão inseridas no nível N2, enquanto o material Perguntas e Respostas da EFD-Contribuições está no N3. Sendo assim, hierarquicamente falando, devemos levar em consideração o estipulado pelas leis federais citadas frente ao apresentado no material disponibilizado pela Receita Federal, uma vez que normas infralegais — no caso, representado por N3 — não possuem poder de legislar, mas sim de orientar os contribuintes.
Jurisprudência acerca do assunto
Em muitos julgamentos e decisões publicados por meio de Disit e/ou Cosit, a Receita Federal insistentemente cita que, para a apropriação extemporânea dos créditos, é necessária a retificação das obrigações acessórias. A título de exemplo, extraímos partes de duas decisões, sendo uma Solução de Consulta Disit/SRRF04 4059/2023 e a outra Solução de Consulta Cosit 1/2022.
Solução de Consulta Disit/SRRF04 4059/2023
(…) RETIFICAÇÃO DE DECLARAÇÃO. A apropriação extemporânea de crédito exige a retificação das declarações, inclusive a EFD-Contribuições, a que a pessoa jurídica se encontra obrigada referentes a cada um dos meses em que haja modificação na apuração da Contribuição para o PIS/Pasep.
Solução de Consulta Cosit 1/2022
(…) Caso se pretenda apurar e utilizar de modo extemporâneo suposto crédito presumido, é necessário observar o regramento relativo à retificação da escrituração, em especial, o disposto no art. 11 da Instrução Normativa RFB nº 1.252, de 2012.
O Carf, por sua vez, tem competência para julgar recursos de ofício e voluntários de decisão de primeira instância, bem como recursos especiais, sobre a aplicação da legislação referente a tributos administrados pela Secretaria da Receita Federal do Brasil. Dentre diversos julgados, podemos encontrar algumas decisões relativas ao assunto tratado neste artigo.
Inicialmente, no Acórdão 3001-003.105, julgado na 1ª Seção/1ª Turma Extraordinária do Carf em dezembro de 2024, foi decidido que, nos casos de apuração extemporânea de créditos de PIS e Cofins, seria necessária a retificação das obrigações acessórias correspondentes. Essa medida foi justificada como forma de evitar o aproveitamento em duplicidade dos créditos ou eventuais incongruências relacionadas ao assunto.
Acórdão 3001-003.105 – 3ª SEÇÃO/1ª TURMA EXTRAORDINÁRIA
(…) A apuração extemporânea de créditos da Contribuição para o PIS/Pasep e da Cofins só é admitida mediante retificação das declarações e demonstrativos correspondentes, a exemplo do DACON, para que os registros permitam controle da fruição dos créditos sem duplicidades ou incongruências em relação aos controles/registros contábeis e fiscais do contribuinte.
Posteriormente, em fevereiro de 2025, o entendimento do Carf foi alterado na 3ª Seção/3ª Câmara/1ª Turma Ordinária. Nessa ocasião, foi decidido que o contribuinte pode apropriar-se do crédito mediante lançamento extemporâneo no período corrente da identificação da oportunidade. Nesses casos, cabe ao contribuinte o ônus da prova quanto aos valores, evidenciando que não foram aproveitados em duplicidade nem estão decaídos e que foi respeitado o rateio proporcional.
Acórdão 3301-014.399 – 3ª SEÇÃO/3ª CÂMARA/1ª TURMA ORDINÁRIA
(…) Não é necessária a retificação da documentação fiscal para gozo de crédito extemporâneo de PIS/COFINS se o contribuinte demonstrar por outros meios que a) os créditos não foram consumidos em períodos anteriores, b) os créditos não se encontram decaídos, c) foi respeitado o rateio proporcional do período de apuração (em casos de pedidos de compensação).
Recentemente, com o intuito de encerrar de vez as discussões acerca do assunto, o Carf aprovou uma súmula relativa ao assunto, transcrita e comentada abaixo. Tais súmulas passam a orientar, de forma vinculante, as decisões no âmbito do Conselho, estendendo-se também às Delegacias da Receita Federal (DRF), de modo a consolidar entendimentos já firmados pela jurisprudência. Com isso, o Carf reafirma sua função institucional de oferecer maior previsibilidade ao contencioso administrativo tributário e de fortalecer a relação entre o Fisco e os contribuintes.
SÚMULA CARF Nº 231 – Aprovada pela 3ª Turma da CSRF em sessão de 05/09/2025 – vigência em 16/09/2025
O aproveitamento de créditos extemporâneos da contribuição para o PIS/Pasep e da COFINS exige a apresentação de DCTF e DACON retificadores, comprovando os créditos e os saldos credores dos trimestres correspondentes.
Acórdãos Precedentes: 9303-011.780, 9303-013.263, 9303-014.081.
A súmula de nº 231, aprovada pela 3ª Turma da Câmara Superior de Recursos Fiscais (CSRF), versa que o aproveitamento de créditos extemporâneos da contribuição para o PIS/Pasep e da Cofins exige a apresentação de obrigações acessórias retificadoras, comprovando os créditos e os saldos credores dos períodos correspondentes. Para fundamentar seu posicionamento, a entidade invoca três acórdãos precedentes, a saber: nº 9303-011.780, nº 9303-013.263 e nº 9303-014.081, todos proferidos pela 3ª Turma da CSRF.
O Acórdão nº 9303-014.081 cita que, em se tratando de créditos apurados e não aproveitados em seus períodos de fato gerador, os contribuintes poderão aproveitar tais oportunidades em um momento posterior, desde que haja a retificação da obrigação acessória correspondente — sendo a Dacon no caso do julgado.
Acórdão 9303-014.081 – CSRF / 3ª Turma
“(…) Em adição, informe-se, ainda com escopo na decisão majoritária tomada no Acórdão n. 9303-013.263, que os arts. 3º, § 4º, das Leis nº 10.637, de 2002, e 10.833, de 2003, permitem que um crédito já apurado em um determinado mês, e não utilizado, possa ser aproveitado em meses posteriores. Porém não permite que se aproveite um crédito não apurado no mês incorrido seja efetuado diretamente em outro período de apuração.
Portanto, para esse aproveitamento seria necessária apuração prévia relativa aos períodos de apuração correspondentes, o que demandaria a retificação dos DACON dos períodos anteriores. As exigências impostas pelas IN SRF utilizadas pela Fiscalização estão amparadas no art. 92 da Lei nº 10.833/2003, que atribuiu à SRF a regulamentação da operacionalização dos aproveitamentos desses créditos”
Ademais, o Acórdão nº 9303-010.080, cujo voto vencedor foi redigido pelo Ilustre Conselheiro Andrada Márcio Canuto Natal — e posteriormente adotado como fundamento no Acórdão nº 9303-011.780 da CSRF/3ª Turma — reafirma o entendimento quanto à exigência de retificação das obrigações acessórias. Nessa oportunidade, contudo, ficou expressamente consignada a necessidade de retificação também da DCTF, além da previsão de possibilidade de ressarcimento ou compensação dos créditos, desde que a pessoa jurídica apure o saldo credor.
Acórdão 9303-010.080 – CSRF / 3ª Turma
“(…) Assim, nos casos em que se deixa de apurar créditos relativos a determinados meses, ou seja, deixa de apropriá-los, é necessário retificar o Dacon relativo ao período em que o crédito não foi apropriado, a fim de incluí-lo na apuração. A apuração extemporânea de créditos só é admitida mediante retificação das declarações e demonstrativos correspondentes, em especial as DCTF e os Dacon.
O ressarcimento/compensação de créditos extemporâneos da COFINS é possível, desde que retificados os respectivos Dacon e as DCTF.” (grifo nosso)
Acórdão 9303-011.780 – CSRF / 3ª Turma
“(…) Assim, a utilização do crédito pressupõe primeiro a sua apuração, com o registro apropriado no DACON, sendo necessário ainda compensar o crédito com débitos do próprio mês, e havendo saldo remanescente, compensá-lo sucessivamente nos meses subsequentes.
Desta forma, não se constatando a prévia apuração do montante a ser aproveitado, mediante a devida retificação dos DACON (e da DCTF), não se pode ter como certa a dedução de tais créditos extemporâneos e, portanto, a glosa de tais créditos deve ser mantida por absoluta falta de liquidez e certeza.”
A partir da leitura desses julgados, depreende-se a exigência de retificação da Dacon — atualmente substituída pela EFD-Contribuições — como condição para a fruição de créditos extemporâneos de PIS e Cofins. Isso porque, segundo o entendimento consolidado pela 3ª Turma, a faculdade prevista no art. 3º, § 4º, das Leis nº 10.637/2002 e nº 10.833/2003, que autoriza o aproveitamento do crédito em meses subsequentes ao de sua apuração, não se confunde com a possibilidade de alocação direta de créditos apurados em um determinado período para outro posterior, sem a devida retificação das declarações fiscais pertinentes.
Retificação ou escrituração no período corrente?
Com base em toda a discussão apresentada acima e levando em consideração a recente súmula aprovada pelo Carf, fica claro que o procedimento a ser adotado pelo contribuinte é a retificação das obrigações acessórias e a escrituração dos créditos apurados em seus respectivos períodos, respeitando o prazo decadencial.
Tal metodologia onera o contribuinte quanto a custos internos para a efetivação do crédito apurado, pois as despesas com conformidade tributária — decorrentes da necessidade de mobilização de equipe técnica especializada, softwares de compliance e auditoria detalhada dos arquivos fiscais — devem ser levadas em consideração. Porém, os contribuintes também estão diante de uma oportunidade pecuniária, uma vez que podem optar por utilizar os saldos escriturados no período do crédito apurado. E caso tenha havido recolhimento de PIS/Cofins no referido período, os contribuintes poderão reduzir o débito apurado e, consequentemente, incorrer em um pagamento indevido ou a maior, com incidência da taxa Selic, podendo ser habilitado por meio de PER/DCOMP.
O time de Consultoria Tributária do Grupo BLB conta com diversos profissionais experientes no assunto abordado neste artigo, bem como em outras áreas, e está à disposição para sanar possíveis dúvidas que possam surgir no dia a dia da sua empresa.
Autoria de Leonardo Piranie revisão técnica de Bruno Carvalho
Consultoria Tributária
BLB Auditores e Consultores
[1] A figura foi extraída do material Teoria Geral do Direito, publicado por Aurora Tomazini de Carvalho.


