A importância do planejamento sucessório em vida como forma de salvaguardar bens e direitos aos herdeiros, frente às possíveis mudanças legais.
Publicamos há alguns dias em nosso blog o artigo O ITCMD no estado de São Paulo: uma análise comparativa dos PLs nº 7/2024 e nº 409/2025, abordando os projetos de lei recentemente propostos, que trazem alterações significativas no ITCMD (Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação) no estado de São Paulo. O ITCMD é o imposto incidente sobre a transferência de bens via doação ou via sucessão causa mortis, ou seja, trata-se do tributo aplicado sobre a transmissão de bens aos herdeiros ou aos legatários de uma pessoa falecida.
Entre os temas abordados no artigo supracitado, destaca-se o aumento das alíquotas do ITCMD, assunto que tem sido amplamente debatido e publicado nos mais diversos meios de comunicação. Contudo, a repercussão desse tópico trouxe à tona a preocupação de muitos contribuintes quanto à importância de realizar um planejamento sucessório em vida, com o objetivo principal de evitar o aumento da carga tributária, que, conforme destacamos em nosso artigo, pode, inclusive, dobrar.
Caso o tema referente ao planejamento sucessório em vida seja uma novidade para você ou desperte o seu interesse, recomendamos a leitura dos seguintes artigos publicados por nossos especialistas no tema:
Planejamento sucessório em tempos de crise
Holding Familiar e Patrimonial: entenda cada uma delas e a importância para o seu negócio
Planejamento sucessório em vida estratégico e as alterações no código civil
Em um primeiro momento, o aumento da carga tributária gerou uma preocupação generalizada, levando diversas famílias a realizarem o planejamento sucessório ainda em vida. Diante desse cenário, nós, do Grupo BLB, na qualidade de especialistas em direito tributário, direito de família e sucessões, bem como em planejamento patrimonial e sucessório, consideramos primordial alertar sobre outros fatores que contribuem para que esse tema se torne cada vez mais urgente.
Além das recentes mudanças tributárias, há também uma proposta de reforma do Código Civil de 2002, que apresenta alterações nos capítulos de Direito de Família e Sucessões. Tais mudanças merecem especial atenção, pois podem impactar de forma significativa a sucessão do seu patrimônio. Destacamos, sobretudo, a sugestão trazida pelo anteprojeto de alterar o rol de herdeiros necessários, excluindo da definição os cônjuges ou os companheiros.
Atualmente, são reconhecidos como herdeiros necessários os descendentes, o cônjuge ou o companheiro (convivente em união estável) e os ascendentes, conforme prescreve o artigo 1.845 do Código Civil (Lei 10.406/02):
Art. 1.845. São herdeiros necessários os descendentes, os ascendentes e o cônjuge.
Ainda, é importante ressaltar que há previsão expressa na legislação civil quanto à chamada ordem de vocação, ou seja, a ordem a ser observada no que diz respeito à sucessão, conforme dispõe o art. 1.829 do atual código civil:
Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte:
I – aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares;
II – aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge;
III – ao cônjuge sobrevivente;
IV – aos colaterais.
A proposta de alteração do código civil altera a ordem de sucessão e desclassifica o cônjuge ou o companheiro como herdeiro necessário em seu artigo 1.829, que passa a sugerir a seguinte redação:
“Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte:
I – aos descendentes;
II – aos ascendentes;
III – ao cônjuge ou ao convivente sobrevivente;
IV – aos colaterais até o quarto grau.”
De acordo com a proposta acima, o cônjuge ou o companheiro não mais concorre com os descendentes ou os ascendentes. Caso a sugestão da redação acima seja aprovada na sua íntegra, haverá implicações tanto em um processo de inventário quanto em um planejamento sucessório pensado e estruturado.
Seguindo a linha de raciocínio da redação acima, em caso de um planejamento, não mais se falaria em reservar a parte do cônjuge ou do companheiro, a depender do regime de bens eleito. Tampouco se consideraria que deveria ser resguardada ao cônjuge uma parte da chamada legítima.
A título de esclarecimento, a legítima corresponde à metade (50%) do patrimônio da pessoa falecida, sendo que a lei brasileira determina que aos herdeiros necessários será resguardado pelo menos 50% (cinquenta por cento) dos bens do de cujus. Levando isso em consideração, caso os cônjuges e os companheiros passem a ser desconsiderados como herdeiros necessários, haverá grande impacto nos planejamentos, uma vez que não será mais necessário resguardar qualquer patrimônio ao cônjuge ou ao companheiro.
Sem adentrar no mérito da questão específica neste artigo – se a exclusão do cônjuge ou do companheiro como herdeiro necessário é correta ou justa –, o que nos cabe destacar é que essa mudança, se aprovada, implicará significativamente nos processos sucessórios. Dessa forma, se tornará ainda mais evidente a importância de um bom planejamento sucessório em vida, especialmente se a pessoa envolvida não quiser deixar seu cônjuge desprovido de quaisquer bens, em detrimento de seus descendentes ou ascendentes.
Além disso, cabe-nos destacar e também questionar a sugestão de alteração do art. 1.850, especialmente se não há uma incoerência entre o que sugere a referida redação e a mudança proposta para o art. 1.829. Afinal, se o cônjuge ou o companheiro já não fosse mais considerado um herdeiro necessário, por que o testador deveria prever isso expressamente ou dispor de seu patrimônio sem contemplá-lo? Caso o testador não proceda dessa maneira, e sendo aprovados os artigos 1.829 e 1.850 nas formas sugeridas pelo anteprojeto, não fica claro se o cônjuge ou o companheiro estaria contemplado para receber os bens da herança.
“Art. 1.850. Para excluir da herança o cônjuge, o convivente, ou os herdeiros colaterais, basta que o testador o faça expressamente ou disponha de seu patrimônio sem os contemplar.
1º Sem prejuízo do direito real de habitação, nos termos do art. 1.831 deste Código, o juiz instituirá usufruto sobre determinados bens da herança para garantir a subsistência do cônjuge ou convivente sobrevivente que comprovar insuficiência de recursos ou de patrimônio.
2º Cessa o usufruto quando o usufrutuário tiver renda ou patrimônio suficiente para manter sua subsistência ou quando constituir nova família.”
Parece-nos que o legislador também não quis desamparar totalmente os cônjuges e os companheiros, especialmente pelo que foi sugerido no § 1º do art. 1.850 acima. O trecho sugere que, ainda que esses sejam excluídos da herança, o juiz poderá instituir usufruto sobre determinados bens do espólio para garantir a subsistência do cônjuge. Contudo, essa situação pode ser interpretada como extremamente subjetiva e, consequentemente, envolve uma série de questionamentos.
É possível inferir, portanto, que além de gerar questionamentos, as sugestões de alteração tornam ainda mais evidente a importância de se realizar um planejamento sucessório em vida. Tal medida é fundamental tanto para resguardar o cônjuge ou o companheiro, conforme a vontade ou o interesse do próprio titular do patrimônio em questão, quanto para não ficar à mercê de eventuais questionamentos decorrentes das alterações acima sugeridas pelo anteprojeto de alteração do código civil.
Outro ponto que consideramos importante destacar – e que igualmente parece indicar uma incongruência com a proposta de excluir os cônjuges ou os companheiros como herdeiros necessários – diz respeito à sugestão de alteração do art. 792. A mudança em questão mantém o cônjuge como beneficiário de 50% (cinquenta por cento) do seguro de vida, caso não seja indicado outro beneficiário:
“Art. 792. Na falta de indicação da pessoa ou beneficiário, ou em razão da nulidade absoluta da previsão, o capital segurado será pago por metade ao cônjuge ou ao convivente do segurado e o restante aos demais herdeiros, obedecida a ordem da vocação hereditária prevista no art. 1.829 deste Código, salvo em caso de testamento que contenha previsão específica a respeito do seguro.
Parágrafo único. Na falta de sucessores testamentários e legítimos, serão beneficiários do seguro os que provarem que a morte do segurado os privou dos meios necessários à subsistência.”
Embora o anteprojeto ainda não tenha sido aprovado e possa sofrer mudanças, é inegável que as sugestões de alterações são substancialmente sensíveis e podem impactar significantemente a sucessão dos patrimônios. Nesse contexto, em um breve ensaio sobre o debate acerca da exclusão do cônjuge ou do companheiro como herdeiro necessário – independentemente se correta ou não –, entendemos que o mais adequado seria abrir a possibilidade de o próprio cônjuge deliberar sobre a renúncia à condição de herdeiro, em vez de excluí-lo compulsoriamente. Voltaremos a abordar esse tema de forma mais elucidativa em um próximo artigo.
Ainda sobre a reflexão supramencionada, recentemente o Tribunal de Justiça de São Paulo endossou tal entendimento ao adotar uma nova interpretação sobre a renúncia antecipada de direitos sucessórios em pactos antenupciais. No julgamento da Apelação Cível nº 1000348-35.2024.8.26.0236, o Conselho Superior da Magistratura do TJ-SP reconheceu a validade do registro que continha uma cláusula de renúncia recíproca ao direito sucessório dos cônjuges, em concorrência com seus descendentes.
Por que se trata de uma inovação?
Até então, tal cláusula era considerada inválida com base no art. 426 do Código Civil, que veda contratos sobre a herança de pessoa viva. Sendo assim, a novidade do entendimento reside na conclusão do TJ-SP de que a renúncia antecipada ao direito de concorrência na sucessão não configura disposição sobre bens de pessoa viva, mas sim um ato unilateral de vontade. Dessa forma, ao admitir sua eficácia, a Corte prestigiou a autonomia privada dos cônjuges.
Posto isso, e diante de todas as recentes movimentações legislativas e jurisprudenciais – seja pelo aumento da carga tributária no ITCMD, seja pelas propostas de reforma no código civil e pela nova interpretação do TJ-SP sobre a renúncia tributária –, torna-se cada vez mais evidente a importância de um planejamento sucessório realizado em vida.
De fato, as mudanças sugeridas no anteprojeto de alteração do código civil, especialmente quanto à exclusão do cônjuge ou do companheiro como herdeiro necessário, podem gerar impactos profundos na partilha de bens, exigindo dos titulares de patrimônio uma atuação preventiva e estratégica. Nesse contexto de incertezas e possíveis incoerências legislativas, o planejamento sucessório deixa de ser uma opção e passa a ser uma medida essencial para garantir segurança jurídica, preservar a vontade do titular dos bens e evitar custos desnecessários no futuro.
Nós, do Grupo BLB, seguimos atentos às sugestões de alteração de todas as legislações que podem impactar o planejamento sucessório de nossos clientes atuais e futuros, sejam elas de ordem tributária, societária ou relacionadas ao direito de família e sucessões.
Autoria de Gabriela Borges e revisão técnica de Liz Azevedo
Consultoria Societária e Patrimonial
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