Roll-up no Brasil: a onda da consolidação em setores fragmentados

Roll-up no Brasil: a onda da consolidação em setores fragmentados

14 minutos de leitura

O cenário corporativo brasileiro, conhecido por sua complexidade e dinamismo, atravessa um momento de profunda transformação, impulsionado por uma estratégia de crescimento que, embora não seja nova, ganha contornos inéditos: a fusão roll-up[1].

Essa abordagem, que consiste na consolidação de múltiplas empresas de pequeno e médio porte sob o comando de uma única entidade maior, emerge como uma resposta poderosa à fragmentação de diversos setores da nossa economia.

Em um ambiente de negócios em que a escala pode determinar a sobrevivência, a prática do roll-up se apresenta não apenas como uma tática de expansão acelerada, mas também como um caminho para a profissionalização, o acesso a capital e a criação de valor em um mercado cada vez mais competitivo.

Contudo, a aparente simplicidade da tese de comprar barato, integrar e gerar sinergias esconde uma complexidade de execução que desafia até os gestores mais experientes.

Afinal, o sucesso de uma estratégia de roll-up não depende apenas da capacidade de identificar e adquirir empresas, mas também – e, talvez, principalmente – da habilidade de integrar culturas, sistemas e pessoas, transformando um aglomerado de pequenas operações em um gigante coeso e eficiente.

Levando tudo isso em consideração, neste artigo, exploraremos as nuances dessa nova onda de consolidação, analisando os fatores que tornam o Brasil um terreno fértil para o roll-up, os setores mais visados e os desafios inerentes a esse modelo.

Além disso, investigaremos como essa estratégia está redesenhando o mapa de indústrias inteiras, desde a saúde e a tecnologia até o agronegócio e o varejo, oferecendo uma perspectiva prática para profissionais do mercado, empreendedores e gestores que buscam navegar e prosperar nesta era de consolidação.

A essência da estratégia de roll-up

Uma fusão roll-up, em sua essência, é um processo de consolidação setorial – geralmente financiado por um fundo de private equity[2] – liderado por uma empresa que atua como uma espécie de plataforma, adquirindo sistematicamente várias empresas menores que operam no mesmo nicho de mercado.

Seu objetivo primordial é simples e poderoso: transformar um conjunto de operações fragmentadas e de menor escala em uma única companhia de grande porte, que seja mais eficiente, rentável e competitiva. Dado que o mercado brasileiro é historicamente fragmentado em diversas áreas, essa estratégia encontra um campo vasto e fértil para sua aplicação e expansão.

Basicamente, a lógica por trás do roll-up é que a entidade consolidada valerá mais do que a simples soma de suas partes, já que, ao atingir uma escala significativa, a nova empresa é capaz de destravar uma série de vantagens competitivas.

Assim, primeiramente surgem as economias de escala, que se manifestam na redução de custos por meio da centralização de funções administrativas, do aumento do poder de barganha com fornecedores e da otimização de processos logísticos. Embora empresas menores, operando isoladamente, raramente consigam negociar contratos volumosos, a consolidação lhes confere uma força que antes não possuíam.

Além disso, a empresa resultante de um roll-up bem-sucedido geralmente obtém melhor acesso a mercados de capitais. Ao passo que uma pequena empresa familiar tende a enfrentar dificuldades para conseguir crédito com taxas atrativas, uma corporação com faturamento consolidado de centenas de milhões de reais torna-se um cliente muito mais interessante para bancos e investidores. Por conseguinte, a estratégia não apenas fortalece a operação, mas também a prepara para um novo ciclo de crescimento, viabilizando financiamentos tanto para a expansão quanto para investimentos em tecnologia que seriam inatingíveis de outra forma.

Para os proprietários das empresas adquiridas, o roll-up pode representar uma solução atrativa para o desafio da sucessão, um problema crônico em negócios familiares no Brasil. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), as empresas familiares são a espinha dorsal da economia, representando cerca de 90% dos negócios no país. Além de responderem por mais da metade do PIB, essas empresas também empregam cerca de 75% da mão de obra brasileira.

No entanto, mesmo sendo tão importantes, estudos indicam que apenas 30% delas sobrevivem até a terceira geração, muitas vezes por falta de um plano sucessório claro.[3] Nesse contexto, a venda para um consolidador surge como uma forma de garantir a continuidade do negócio, ao mesmo tempo em que permite aos fundadores realizarem o valor do seu patrimônio.

O Brasil como epicentro da consolidação

O Brasil se apresenta como um ambiente excepcionalmente propício para a proliferação de estratégias de roll-up, e essa fertilidade é fruto de uma combinação única de fatores econômicos, estruturais e de mercado.

Em primeiro lugar, a própria estrutura de muitos setores da economia brasileira é caracterizada por uma acentuada fragmentação. Desde hospitais e laboratórios, passando por provedores de internet e clínicas veterinárias, até distribuidoras de insumos agrícolas, é comum encontrar mercados dominados por um grande número de empresas de pequeno e médio porte, muitas delas de controle familiar.

Esse mercado pulverizado é o terreno ideal para a ação de consolidadores, pois, por definição, há um amplo universo de negócios potenciais para aquisição.

O mercado de fusões e aquisições (M&A) no Brasil, embora sujeito a flutuações, tem mostrado resiliência. Em 2024, o país registrou 1.582 operações de M&A, um aumento de 5% em relação às 1.505 transações de 2023. Outro levantamento aponta que o Brasil liderou o mercado de M&A na América Latina em 2024 com 1.674 transações que mobilizaram um capital de US$ 47,9 bilhões, um aumento de 10% no valor em relação ao ano anterior, mesmo com uma queda de 21% no número de operações[4]. Esse dinamismo é um claro indicador de que há capital disponível e interesse em movimentações que reconfigurem os setores.

A maturação da indústria de private equity e venture capital no país também é um catalisador fundamental. Fundos de investimento, tanto nacionais quanto estrangeiros, estão cada vez mais capitalizados e buscam teses de investimento que prometam retornos consistentes. A consolidação de setores fragmentados é uma dessas teses clássicas, já que, em 2024, foram registradas 204 transações de private equity no país[5]. Embora o investimento total tenha caído, os dados mostram que a atividade de aquisição por fundos continua sendo um pilar do mercado.

Adicionalmente, as condições macroeconômicas, mesmo que desafiadoras, podem criar novas oportunidades. Períodos de juros elevados e a incerteza econômica tendem a pressionar empresas menores[6], que possuem menos acesso a crédito e menor capacidade de resistir a crises.

Portanto, o cenário de instabilidade, paradoxalmente, pode acelerar o ritmo da consolidação, pois a venda para um grupo maior e mais capitalizado torna-se uma alternativa estratégica para a sobrevivência e o crescimento de negócios menores.

Anatomia de um roll-up de sucesso

Embora a tese de um roll-up seja atraente, sua execução é uma jornada repleta de desafios. O seu sucesso depende de uma combinação rigorosa de planejamento estratégico, disciplina financeira e, sobretudo, uma capacidade excepcional de integração.

Sendo assim, tanto a escolha da plataforma quanto a tese de investimento devem ser claras e bem definidas desde o início, determinando em qual setor atuar, o perfil das empresas-alvo e, principalmente, onde exatamente as sinergias serão capturadas. Sem essa clareza, o processo de aquisição pode se tornar disperso e ineficaz.

Outro ponto a ser levado em consideração é a fase de due diligence[7]em um roll-up, que tende a ser exponencialmente mais complexa. Em vez de analisar uma única grande empresa, os adquirentes precisam investigar dezenas de pequenas operações, cada uma com suas particularidades contábeis, fiscais, trabalhistas e culturais. Assim, ignorar detalhes nessa fase pode levar à compra de ativos com passivos ocultos ou problemas operacionais graves.

Contudo, o maior desafio reside na integração pós-fusão, que envolve a unificação de sistemas de TI, a padronização de processos e produtos e – o mais difícil – o alinhamento de culturas organizacionais distintas, ponto em que muitas estratégias de roll-up fracassam.

Estudos indicam que as taxas de insucesso em fusões e aquisições podem variar de 70% a 90%[8], sendo que a falha na gestão do choque cultural é frequentemente citada como uma das principais causas. Tendo isso em mente, é fundamental ter uma equipe dedicada à integração e um plano detalhado para os primeiros 100 dias de cada nova empresa adquirida[9].

Vale ressaltar que o objetivo final de um roll-up é gerar valor por meio de sinergias, que podem ser de receita, de custo ou financeiras. A disciplina para identificar, quantificar e, principalmente, executar a captura dessas sinergias é o que diferencia um roll-up de sucesso de uma mera coleção de empresas independentes sob o mesmo teto.

Setores em destaque: onde o roll-up acontece no Brasil

A onda de consolidação via roll-up não é uniforme; ela se concentra em setores com características específicas, como alta fragmentação, resiliência econômica e potencial para ganhos de escala. No Brasil, quatro áreas se destacam:

  1. Saúde: um ecossistema em consolidação

O setor de saúde é, talvez, o exemplo mais emblemático do movimento de roll-up no Brasil. Impulsionado pela busca por eficiência, o setor vive uma consolidação acelerada.

A recente fusão entre Dasa e Amil para criar a Ímpar Serviços Hospitalares é um marco, resultando em uma gigante com receita líquida combinada de R$ 10,6 bilhões em 2024, 25 hospitais e 4.400 leitos. Essa transação, que envolveu a transferência de uma dívida de R$ 3,85 bilhões para a nova entidade, exemplifica a complexidade e a escala das movimentações no setor[10]. Grandes grupos como a Rede D’Or seguem expandindo agressivamente, redesenhando o mapa da saúde privada no país.

  1. Tecnologia e provedores de internet (ISPs): a corrida pela conexão

O mercado de provedores de internet é outro campo fértil para a consolidação. A pesquisa TIC Provedores apontou um movimento de consolidação entre 2020 e 2022, com o número de empresas operantes caindo de 12.826 para 11.630. Esse movimento pode ser observado na queda da participação de microempresas no setor, de 56% em 2020 para 46% em 2022.

Grandes consolidadores e a fusão entre Vero e Americanet, que criou um dos maiores ISPs do país, são exemplos dessa tendência que deve continuar, dado que o mercado segue pressionado. O setor de Internet, Software e Serviços de TI foi o mais ativo em M&A em 2024, com 294 transações, reforçando seu dinamismo[11].

  1. Varejo e serviços: a força da marca e da capilaridade

No varejo e nos serviços, a estratégia de roll-up é usada para ganhar capilaridade. O mercado pet é um exemplo notável, uma vez que faturou R$ 75,4 bilhões em 2024, o que equivale a um aumento de 9,6% em relação a 2023. Contudo, esse setor é altamente pulverizado, com pet shops de pequeno e médio porte representando quase metade do faturamento do varejo[12].

  1. Agronegócio: consolidando a cadeia de valor

O agronegócio, pilar da economia brasileira, também entrou na era do roll-up. A consolidação ocorre principalmente na cadeia de distribuição de insumos agrícolas, um mercado que já passou por uma primeira onda de fusões na indústria.

Plataformas de investimento têm adquirido distribuidores regionais para criar redes com maior poder de negociação. A Lavoro, por exemplo, realizou mais de 24 aquisições desde 2017[13]. Esse movimento é natural, pois atrai investimentos para um país com grande potencial de crescimento no setor.

Desafios e riscos da estratégia de roll-up

Apesar do enorme potencial, a jornada de um roll-up é repleta de perigos que podem comprometer o retorno do investimento. Um dos maiores e mais subestimados desafios é a complexidade da integração cultural[14]. Cada empresa adquirida possui sua própria cultura, e tentar impor uma visão única de forma abrupta pode gerar resistência e perda de talentos-chave.

Outro risco significativo refere-se ao pagamento de múltiplos de avaliação excessivamente elevados. Quando um setor se torna alvo de consolidação, a competição por ativos de qualidade se intensifica, o que pode inflacionar os preços. Pagar caro demais pelas empresas-alvo corrói a margem de segurança e exige que as sinergias projetadas não apenas se concretizem, mas superem as expectativas.

Somado a isso, a complexidade operacional e de sistemas também não pode ser negligenciada. Integrar dezenas de sistemas de gestão, plataformas de vendas e processos contábeis diferentes é uma tarefa hercúlea e custosa. Falhas nessa integração podem levar a perdas de informação, ineficiência e dificuldades no controle da gestão da nova empresa consolidada.

Finalmente, existem os desafios regulatórios e de compliance. Em setores como saúde e finanças, as aquisições podem exigir aprovações de órgãos reguladores como o CADE (Conselho Administrativo de Defesa Econômica)[15]. Além disso, garantir que todas as empresas adquiridas estejam em conformidade com as complexas legislações tributárias e trabalhistas brasileiras é fundamental para evitar passivos futuros que podem comprometer a saúde financeira do grupo.

Conclusão

A estratégia de roll-up consolidou-se como uma força transformadora no cenário empresarial brasileiro, representando uma das mais importantes tendências de fusões e aquisições da atualidade.

Ela oferece um caminho poderoso para o crescimento acelerado, a geração de eficiência e a criação de valor em setores tradicionalmente fragmentados, beneficiando não apenas os consolidadores, mas também os empresários que encontram uma oportunidade de liquidez e perpetuidade para seus negócios. Setores como saúde, tecnologia, agronegócio e serviços têm sido profundamente remodelados por essa onda, que profissionaliza a gestão e cria empresas mais competitivas.

Entretanto, é importante reconhecer que o roll-up não é uma fórmula mágica para o sucesso. O caminho é complexo e permeado de riscos significativos, que vão desde a superestimação de sinergias e o pagamento de múltiplos elevados até os imensos desafios de integração cultural e operacional.

O fracasso em navegar por essas complexidades pode transformar um sonho de crescimento em um pesadelo de gestão. A execução, portanto, é tão ou mais importante do que a própria tese de investimento.

Diante desse cenário, a combinação de uma visão estratégica clara, uma disciplina financeira rigorosa e uma capacidade de integração humana e tecnológica torna-se o diferencial muito relevante.

Para os proprietários de empresas, gestores e investidores que contemplam essa jornada, a mensagem é clara: o potencial é imenso, mas a necessidade de um planejamento meticuloso e de uma execução impecável é absoluta.

Assim, buscar uma assessoria especializada em M&A[16] e valuation[17] é fundamental para maximizar o valor e mitigar os riscos, garantindo que as decisões tomadas hoje construam as bases para um futuro de crescimento sustentável e liderança de mercado.

Conforme discutido no texto, a união entre estratégia, finanças e tecnologia é essencial para alcançar o sucesso em processos de M&A e valuation. Para empresários, gestores e investidores que desejam maximizar oportunidades e reduzir riscos, contar com apoio especializado faz toda a diferença.

O Grupo BLB possui uma equipe experiente em M&A e Valuation, pronta para orientar sua empresa com planejamento, precisão e segurança em cada etapa da jornada. Quer conversar com um especialista e dar o próximo passo com segurança? Entre em contato com a nossa equipe e descubra como podemos ajudar sua empresa a crescer com solidez e valor.

Autoria de Henrique Nobile e revisão técnica de Pedro Junqueira
Consultoria em Finanças e M&A
BLB Auditores e Consultores

[1] https://www.investopedia.com/roll-up-merger-definition-4683958

[2] https://blbescoladenegocios.com.br/blog/capitalizar-empresa/

[3] https://g1.globo.com/sp/sorocaba-jundiai/nosso-campo/noticia/2024/04/14/sucessao-no-agro-exige-planejamento-e-interesse-das-geracoes-mais-novas.ghtml

[4] https://fundssociety.com/br/news/negocios/brasil-lidera-fusoes-e-aquisicoes-na-america-latina-em-2024

[5] https://www.fundssociety.com/br/2025/02/17/brasil-lidera-fusoes-e-aquisicoes-na-america-latina-em-2024-aponta-aon-e-ttr-data/

[6] https://cbic.org.br/gustavo-loyola-avalia-juros-altos-ate-2026-que-pode-dificultar-investimentos-e-pressionar-empresas/

[7] https://blbescoladenegocios.com.br/blog/due-diligence/

[8] https://ise.org.br/blog-dos-professores/fusoes-aquisicoes/

[9] https://kaizen.com/insights/operational-integration-ma-plan/

[10] https://poder360.com.br/economia/saude/amil-e-dasa-finalizam-acordo-para-formar-2o-maior-grupo-hospitalar/

[11] https://www.abes.com.br/o-que-esta-acontecendo-no-mercado-de-provedores-de-acesso-a-internet/

[12] https://abinpet.org.br/informacoes-gerais-do-setor/

[13] https://www.lavoroagro.com/mercado/lavoro-comeca-negociar-suas-acoes-na-nasdaq/

[14] https://fusoesaquisicoes.com/hr/como-superar-questoes-culturais-corporativas-em-fusoes-e-aquisicoes/

[15] https://cdn.cade.gov.br/Portal/acesso-a-informacao/perguntas-frequentes/cartilha-do-cade.pdf

[16] https://blbauditoreseconsultores.com.br/servico/aquisicao-e-fusao-de-empresas-ma/

[17] https://blbescoladenegocios.com.br/blog/valuation-ferramenta-de-gestao/

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