O agronegócio brasileiro vive um de seus momentos mais paradoxais. Mesmo diante de safras recordes, demanda aquecida e um Valor Bruto da Produção (VBP) que deve ultrapassar R$ 1,4 trilhão em 2025[1], o número de pedidos de recuperação judicial no setor disparou. Somente no segundo trimestre de 2025, foram registradas 565 solicitações, o que representa uma alta de 31,7% em relação ao mesmo período do ano anterior. Pela primeira vez, produtores constituídos como pessoa jurídica superaram os pedidos feitos por produtores pessoa física, revelando que a crise financeira no campo é mais estrutural do que conjuntural.
A boa produtividade e o crescimento das safras, embora fundamentais, não têm sido suficientes para blindar o produtor rural das pressões econômicas. Assim, a elevação persistente dos custos de produção, o aumento do endividamento, a volatilidade cambial e um cenário de juros elevados têm criado uma tempestade que faz com que produzir muito não signifique, necessariamente, estar bem financeiramente. Muitos agricultores apostaram em ciclos mais agressivos de investimentos, como aquisição de máquinas, ampliação de áreas arrendadas, compra antecipada de insumos, imaginando a continuidade de preços altos das commodities. A realidade atual, porém, tem sido marcada por margens significativamente mais apertadas e caixa pressionado.
De acordo com uma publicação do Globo Rural[2], o custo de produção para a safra 2025/26 se aproxima dos níveis críticos de 2022. No caso dos fertilizantes, que podem representar entre 25% e 40% dos custos operacionais — a depender da cultura e da região —, a perspectiva é preocupante. Em alguns estados, o aumento no valor desses insumos já ultrapassa 24%, impulsionado principalmente pela forte dependência externa. Em paralelo, um levantamento recente aponta que o custo por hectare no país cresceu cerca de 7,4% apenas entre 2024 e 2025. O problema é que o preço das commodities não acompanha esse avanço: em algumas regiões produtoras de soja, a margem bruta pode cair de R$ 2.325 para apenas R$ 1.220 por hectare.
Nesse cenário já desafiador, o anúncio do “tarifaço” imposto pelos Estados Unidos à exportação brasileira adicionou mais uma camada de incerteza ao agronegócio. Setores ligados à indústria de transformação agrícola — como bebidas, carnes processadas, produtos industrializados do milho e derivados de aço usados no campo — sentiram imediatamente o impacto. Para os produtos agrícolas in natura, o efeito ocorre de forma indireta: tarifas mais altas sobre itens industrializados tornam toda a cadeia menos competitiva e afetam as expectativas de mercado, reduzindo os contratos futuros e elevando o custo de comercialização para produtores brasileiros.
Além disso, a imposição de barreiras comerciais tende a aumentar a volatilidade do câmbio justamente em um momento em que muitos produtores possuem financiamentos ou contratos de insumos atrelados ao dólar. Com o real pressionado e o dólar mais caro, o custo de máquinas, fertilizantes e defensivos importados sobe rapidamente, enquanto o acesso a mercados internacionais se torna mais complexo. Em outras palavras, o “tarifaço” cria um cenário em que o produtor paga mais para produzir, mas pode não ter acesso facilitado aos principais compradores globais.
A situação se agrava quando analisamos o endividamento em moeda estrangeira. Em toda a região Centro-Sul e no polo agroindustrial de Ribeirão Preto, produtores financiaram em dólar tratores, colheitadeiras e sistemas de irrigação. Quando a moeda americana dispara, influenciada tanto pela política monetária dos EUA quanto pela política comercial mais dura, os custos dolarizados sobem antes de qualquer ajuste positivo no preço interno das commodities. Essa alavancagem cambial se tornou um dos principais riscos financeiros do setor.
Da mesma forma, a logística também segue como gargalo histórico. Em algumas regiões do país, o custo logístico pode representar até 25% do valor final do produto agrícola. Mesmo em áreas de infraestrutura mais robusta, como a região de Ribeirão Preto, pesam sobre o produtor os gastos elevados com armazenagem, manutenção de equipamentos, transporte rodoviário e perdas decorrentes do tempo e da distância. A crescente exigência internacional por rastreabilidade e certificações ambientais amplia ainda mais os custos operacionais, tornando o desafio logístico um componente estratégico da competitividade.
Outro fator que tem agravado pedidos de recuperação judicial é a falta de profissionalização da gestão em grupos familiares. Em um ambiente de margens estreitas, crédito caro e exposição ao dólar, propriedades sem governança estruturada, planejamento financeiro rigoroso e processos profissionais de controle ficam mais vulneráveis. Dados recentes mostram que grupos familiares e arrendatários responderam por 83 pedidos de recuperação judicial no segundo trimestre de 2025, demonstrando que a fragilidade de gestão é tão crítica quanto a variação climática ou cambial.
Por fim, a elevação do custo do crédito rural, com taxas entre 10% e 14% ao ano — insuficiente e caro para o momento atual — completa o quadro adverso. Com o encarecimento do dinheiro, muitos produtores reduziram suas áreas plantadas, adiaram investimentos e diminuíram o uso de insumos. Esse movimento, além de afetar a produtividade futura, também aumenta o risco de insolvência entre médios e pequenos produtores, que competem por crédito com grandes grupos altamente capitalizados.
Esse ambiente de forte pressão operacional e financeira abre espaço para movimentos de fusões, incorporações e entrada de fundos estrangeiros no agronegócio brasileiro. Assim, a busca por escala, eficiência, tecnologia e robustez financeira se intensificará, enquanto investidores internacionais, apesar das tensões comerciais recentes, continuam enxergando o Brasil como um país-chave na produção de alimentos. Com isso, regiões de infraestrutura consolidada, como Ribeirão Preto, tendem a atrair parte desses investimentos, desde que haja governança, transparência e profissionalização suficientes para atender aos requisitos de capital externo.
O agronegócio brasileiro vive, portanto, uma encruzilhada histórica. De um lado, reúne vantagens naturais incomparáveis: clima, solo, tecnologia e relevância internacional. De outro, encara custos crescentes, volatilidade cambial, crédito caro, judicialização, incerteza comercial e a necessidade urgente de profissionalização. Produzir bem não basta. Para transformar produtividade em rentabilidade, será necessário investir em governança, controle financeiro, planejamento logístico e estratégias sólidas de mitigação de riscos, especialmente em um mundo no qual tarifas e políticas externas podem redesenhar o comércio global de um dia para o outro.
O produtor, e toda a cadeia que o cerca, precisa entender que o novo agro é mais técnico, mais complexo e mais desafiador. Dessa maneira, sobreviverá não quem apenas colhe bem, mas quem administra bem. Afinal, no agronegócio contemporâneo, eficiência, gestão e estratégia são tão importantes quanto o tamanho da safra.
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Autoria de José Rita Moreira
Sócio-diretor de Finanças e M&A
BLB Auditores e Consultores
[1] Informações retiradas do site do Ministério da Agricultura e Pecuária, disponíveis em: https://www.gov.br/agricultura/pt-br/assuntos/noticias/valor-bruto-da-producao-do-agro-alcancou-r-1-41-trilhao-em-janeiro.
[2] https://globorural.globo.com/agricultura/noticia/2025/10/custos-operacionais-da-safra-202526-se-aproximam-dos-niveis-de-2022-e-apertam-margens.ghtml.


