No dia 16 de janeiro de 2025, foi sancionado pelo governo federal o Projeto de Lei Complementar (PLP) 68/2024, que estabelece as bases para a implementação da reforma tributária brasileira. Dentre as inovações trazidas pelo projeto, uma das mais significativas é o conceito de split payment (ou pagamento dividido, em tradução livre).
Trata-se de um novo modelo de arrecadação tributária que já é amplamente utilizado em alguns países europeus, visando reduzir a evasão fiscal e aumentar a eficiência na arrecadação de tributos.
Contudo, é de extrema importância destacar que o mecanismo do split payment não entra em vigor de imediato com a Reforma Tributária. Conforme o art. 35 da Lei Complementar do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), a implementação do sistema dependerá de uma decisão do Poder Executivo, juntamente com o Comitê Gestor do IBS, que precisará aprovar tanto o orçamento quanto as providências necessárias para o seu desenvolvimento, implantação e operação.
Como funciona o split payment?
O split payment funciona da seguinte forma: no momento do pagamento de uma transação comercial, a parcela correspondente aos tributos devidos é automaticamente separada e direcionada ao Fisco.
Esse mecanismo altera significativamente a dinâmica financeira das empresas, pois, enquanto o governo recebe os tributos à vista, as empresas continuam recebendo a prazo dos seus clientes.
Isso pode gerar desafios no fluxo de caixa, uma vez que as empresas precisarão honrar seus compromissos — como os pagamentos de fornecedores, da folha de salários, de aluguéis e financiamentos — sem o montante total da receita da venda. Assim, embora a redução da sonegação fiscal seja um ponto positivo, equilibrando a concorrência no mercado, há preocupações sobre o impacto desse modelo no capital de giro das empresas.
No Brasil, o split payment será adotado para a arrecadação do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), tributos que substituirão o ICMS, o ISS, o PIS e a Cofins. A implementação será gradual, iniciando-se em 2026 e sendo concluída até 2033.
Comparando os modelos: atual x split payment
Modelo atual:
Para exemplificar o impacto da mudança, consideremos uma empresa que compra um produto por R$ 10.000,00, sujeito a uma carga tributária de 27,5%. Hoje, essa empresa registra:
- Impostos a recuperar: (R$ 10.000,00 x 27,5%) = R$ 2.750,00
- Valor de estoque: (R$ 10.000,00 – R$ 2.750,00) = R$ 7.250,00
No modelo atual, a empresa pode se creditar desses tributos para compensar impostos futuros sem necessariamente ter feito o pagamento imediato ao Fisco. Isso melhora o fluxo de caixa e permite que o vendedor receba integralmente os R$ 10.000,00, reservando o montante devido para recolhimento posterior.
Novo modelo – split payment:
Com base nesse mesmo exemplo, sob o split payment:
- Impostos a recuperar: R$ 2.750,00 (apenas se o imposto tiver sido efetivamente pago ao Fisco pelo comprador)
- Valor de estoque: R$ 7.250,00
- Pagamento ao vendedor: R$ 7.250,00
- Pagamento ao Fisco: R$ 2.750,00
Isso significa que o vendedor não receberá mais os R$ 10.000,00 integralmente. Em vez disso, receberá R$ 7.250,00, pois a diferença será recolhida automaticamente pelo governo. Essa alteração pode gerar dificuldades financeiras para as empresas, forçando-as a buscar crédito bancário para suprir lacunas de caixa.
Quais seriam os possíveis impactos do split payment nas demonstrações financeiras?
A adoção do mecanismo de split payment pode gerar impactos significativos nas demonstrações financeiras das companhias, tanto para empresas compradoras quanto para vendedoras, como veremos a seguir.
Empresa compradora:
No caso da empresa compradora, conforme o exemplo citado, o split payment retém automaticamente o valor do tributo no momento da transação, reduzindo o valor líquido pago ao fornecedor. Esse mecanismo pode impactar:
- Demonstração dos fluxos de caixa: alterações na liquidez, uma vez que o montante originalmente destinado ao pagamento integral do fornecedor será parcialmente direcionado ao Fisco.
- Balanço patrimonial: possível aumento no passivo circulante caso a empresa precise contratar empréstimos bancários para compensar a redução da liquidez e manter o capital de giro.
- Demonstração do Resultado do Exercício (DRE): potencial incremento nas despesas financeiras devido ao reconhecimento de juros sobre eventuais empréstimos obtidos para compensar a retenção do tributo.
Empresa vendedora:
Para a empresa vendedora, a principal mudança será a redução da necessidade de provisionamento para tributos a pagar, pois o imposto será recolhido diretamente pelo comprador e repassado ao Fisco. Esse novo cenário também impacta as contas a receber, visto que o valor líquido da venda será efetivamente menor.
Diante disso, surge a seguinte questão contábil: a receita de vendas deve ser reconhecida de forma bruta ou líquida dos impostos com a entrada desse novo mecanismo de arrecadação tributária?
De acordo com as Normas Brasileiras de Contabilidade (NBC), a receita continuará sendo reconhecida pelo seu valor bruto, enquanto os tributos incidentes sobre vendas serão registrados separadamente, provavelmente reduzindo os saldos das contas a receber.
Esse novo modelo traz desafios para os desenvolvedores de softwares contábeis, que precisarão adaptar seus sistemas para garantir a conformidade com as normas contábeis vigentes, ao mesmo tempo em que integram os requisitos do split payment ao processo de arrecadação tributária.
Quais são as desvantagens e as vantagens na adoção do novo mecanismo de arrecadação?
Desvantagens do split payment:
- Impacto no fluxo de caixa: as empresas que dependem do montante total da receita para manter suas operações podem enfrentar dificuldades financeiras. Pequenas e médias empresas, que possuem menos acesso a créditos e estão sujeitas a taxas de juros mais altas, serão as mais afetadas.
- Redução da flexibilidade tributária: atualmente, as empresas podem usar créditos tributários a partir de sua escrituração. Com o novo modelo, o aproveitamento dos créditos dependerá do efetivo recolhimento ao Fisco.
- Aumento da complexidade operacional: as empresas precisarão atualizar seus sistemas contábeis e financeiros para lidar com a nova sistemática.
- Possível impacto no consumo: se as empresas repassarem os custos financeiros aos preços dos produtos, o consumo pode ser reduzido, afetando a economia como um todo.
Vantagens do split payment:
- Redução da evasão fiscal: como o imposto é recolhido automaticamente, fraudes e inadimplências tributárias serão minimizadas.
- Maior previsibilidade de arrecadação: o Fisco passa a ter um fluxo constante de recebimentos, evitando atrasos e aumentando a eficiência da arrecadação.
- Simplificação administrativa: as empresas que hoje precisam gerenciar o pagamento dos tributos podem ter processos automatizados, reduzindo riscos de penalização por falhas no repasse de impostos.
- Maior segurança jurídica: como a responsabilidade pelo recolhimento dos tributos será automática, os riscos de penalizações por erros na apuração dos impostos serão reduzidos.
Adoção do split payment requer atenção e planejamento
A implementação do split payment no Brasil representa uma mudança significativa no sistema tributário. Embora o modelo tenha o potencial de modernizar a arrecadação e reduzir a sonegação fiscal, seus impactos sobre a liquidez e a gestão financeira das empresas podem ser severos. Pequenos e médios empresários precisarão se preparar com planejamento financeiro e possíveis investimentos em tecnologia para garantir uma transição mais suave.
Já para o Fisco, a mudança promete ser positiva, com aumento da previsibilidade da arrecadação e redução da inadimplência tributária. No entanto, o sucesso desse novo modelo dependerá de uma regulamentação equilibrada, que leve em consideração o impacto no setor produtivo e o dinamismo econômico do país.
A BLB está preparada para auxiliar as empresas neste novo cenário desafiador, oferecendo soluções estratégicas por meio de uma equipe de profissionais experientes e especializados. Conte conosco para enfrentar essa mudança com segurança, confiança e planejamento!
Robson Santesso Pires
Sócio-diretor de Auditoria Independente
BLB Auditores e Consultores